GRAVIDEZ E PARTO: MULHERES BRASILEIRAS CONTINUAM
MORRENDO SEM ATENDIMENTO
Doze anos depois, família de Alyne da Silva Pimentel será
indenizada, mas baixa qualidade dos serviços mantém o Brasil na liderança das
mortes maternas na América Latina
Nesta terça-feira, dia 25 de março, às 15h, na Secretaria de Direitos
Humanos, em Brasília (DF), o Estado brasileiro cumprirá parte de seus
compromissos perante o Comitê para Eliminação de todas as Formas de
Discriminação Contra Mulheres (CEDAW/ONU) e fará o pagamento da reparação à mãe
de Alyne, reconhecendo o direito a uma maternidade segura e sua
responsabilidade pela morte de Alyne e, em consequência, pelos óbitos de
centenas de outras mulheres por morte materna no país a cada ano. Mulheres
brasileiras grávidas, especialmente as de renda mais baixa, continuam morrendo
por falta de atendimento adequado na rede pública de saúde brasileira da mesma
forma como aconteceu com Alyne da Silva Pimentel há mais de uma década.
“Diante do acordo firmado entre o governo do Brasil e o
Comitê CEDAW, cabe perguntar: a morte de Alyne teria sido em vão? O que o
Estado brasileiro está realmente fazendo para garantir que mais mulheres em
idade reprodutiva, em particular as negras, pobres e que vivem longe dos
grandes centros urbanos tenham acesso aos serviços de saúde de qualidade que garantam
sua integridade durante a gravidez, parto e pós-parto?”, questionou Beatriz
Galli, Relatora Nacional do Direito Humano a
Saúde Sexual e Reprodutiva da Plataforma Dhesca Brasil.
Em sua decisão final, o Comitê
CEDAW/ONU fez recomendações firmes ao Estado
brasileiro: garantir o direito das mulheres à maternidade segura e ao acesso à
assistência médica emergencial adequada, proporcionar formação profissional adequada para os trabalhadores da
área de saúde, especialmente sobre os direitos reprodutivos das mulheres e
assegurar o acesso a medidas eficazes nos casos em que os direitos das mulheres
à saúde reprodutiva tenham sido violados, que as instalações de assistência
médica privada satisfaçam as normas nacionais e internacionais em saúde reprodutiva,
que as sanções adequadas sejam impostas a profissionais de saúde que violem os
direitos de saúde reprodutiva das mulheres além de reduzir as mortes maternas
evitáveis implementando o Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna
nos níveis estadual e municipal.
“O caso de Alyne jogou luz sobre as
violações sistemáticas dos direitos humanos fundamentais das mulheres que
afetam desproporcionalmente as mulheres mais pobres e de minorias” disse
Mónica Arango, diretora regional para a América Latina e o Caribe do Centro de
Direitos Reprodutivos. “O Estado brasileiro está dando um passo importante ao
reconhecer que o sistema de saúde falhou com a Alyne, mas deve agir rapidamente
para que sejam pagas as reparações financeiras à filha de Alyne e para que
sejam criadas políticas públicas que melhorem os serviços de saúde materna para
todas as mulheres e uma vez por todas”, destacou.
Porque elas morrem
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 800 mulheres
morrem todos os dias em decorrência de complicações causadas pela gravidez em
todo o mundo. Dados do DataSUS de 2012 mostram que, enquanto a redução na razão de mortalidade materna
mundial foi de 3,6% por ano, no Brasil o ritmo de queda foi de apenas 0,6%. Isto situa o
país atrás da meta a ser cumprida no quinto Objetivo de
Desenvolvimento do Milênio (ODM). Outras estatísticas
também são alarmantes: um quarto de todas as mortes maternas da América Latina
acontece no Brasil, 90% delas poderiam ser evitadas com cuidados no pré-natal. As
principais causas da mortalidade materna são a hipertensão arterial, a
hemorragia, as complicações decorrentes do aborto realizado em condições
inseguras, a infecção pós-parto e as doenças do aparelho respiratório. O risco
de morte materna está diretamente relacionado ao nível socioeconômico e os
dados mostram que há discriminação racial e de gênero na assistência. Mulheres
negras, pobres e que vivem nas regiões rurais e longe dos centros urbanos são
as que mais morrem.
Caso Alyne
Há doze anos, a família de Alyne da Silva Pimentel
espera por justiça. Ela foi vítima da falta de atendimento médico na rede
pública e conveniada de saúde do Rio de Janeiro, em 2002. Mulher negra, com 28 anos, casada e grávida de seis meses do seu segundo filho, ela deu
entrada sentindo náuseas, na Casa de Saúde N. S. da Glória, uma maternidade
contratada pelo SUS do município de Belford Roxo como prestadora de serviços de
atenção ao parto. Embora já naquele momento ela apresentasse sinais de gravidez de alto risco, recebeu alta e foi orientada
a retornar para fazer exames adicionais, sendo medicada apenas com remédios
para náuseas, cremes vaginais e vitaminas. Dois dias depois, Alyne voltaria à
mesma clínica, já bastante debilitada e com vômitos. Na ultrassonografia, o
veredito: o feto estava morto. Foi feita uma indução de parto e cinco horas depois veio à luz o natimorto.
Somente 14 horas após o parto foi feita a cirurgia de curetagem para retirada
de restos de placenta. Neste momento Alyne já tinha hemorragia extrema, vômito
com sangue, pressão sanguínea baixa, desorientação prolongada e fraqueza física
aguda com incapacidade para ingerir. Mesmo assim passaram-se oito horas sem
cuidados adequados, antes que uma ambulância
removesse Alyne para o Hospital Geral de Nova Iguaçu (conhecido como
Hospital da Posse), onde poderia receber uma transfusão de sangue, procedimento
não disponível no hospital em que estava internada. Ela foi transportada sem a
ficha médica e sua via crucis continuou na emergência do Hospital da
Posse, já que não havia leito disponível. Alyne entrou em coma e morreu, cinco
dias depois de procurar o primeiro atendimento médico.
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