Compreender a violência no cenário brasileiro
requer o entendimento das matrizes históricas, sociais e culturais, pois essa
violência precisa ser reconhecida como um fenômeno complexo, um grave problema
social e de saúde pública para a população. Observa-se um certo conformismo com
a violência no cotidiano da vida e do viver, refletido nas palavras de Marilena
Chauí, em seu livro ‘sobre a violência’ onde ela afirma que a violência é a
‘[...] presença da ferocidade nas relações com o outro enquanto outro ou por
ser um outro’.
É
possível identificar a violência em várias fases do ciclo da vida de uma
pessoa, embora certos grupos populacionais sejam especialmente vulneráveis, devido
a questões etárias, de gênero e condições socioeconômicas. A diversidade da
lista das vítimas de violência, especialmente quando se trata de grupos em
situação de vulnerabilidade, parece ilimitada e sem fim, pois engloba as
mulheres, as crianças e adolescentes, idosos, pessoas com deficiências, pessoas
lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, queer, intersexo, assexuais
(LGBTQIA+), comunidade indígena, migrantes e refugiados. A violência perpetrada
em nossa sociedade se apresenta desde a gestação, parto, puerpério e também no
abortamento, intitulada como Violência Obstétrica (VO). Os dados da pesquisa
‘Nascer no Brasil’ da Fiocruz revelaram que entre os anos 2011 e 2012, cerca de
30% das mulheres atendidas em hospitais privados e 45% no Sistema Único de
Saúde (SUS) foram vítimas de violência verbal, física ou sexual, além de serem
submetidas a intervenções desnecessárias e não baseadas em evidências
científicas – o que representa uma clara violação da autonomia da mulher, de
seu corpo e de seus processos reprodutivos.
E
obviamente, a violência não poupa ninguém, e chega até a última fase da vida, a
velhice, e novamente atinge majoritariamente o sexo feminino. Esses dados são
de uma pesquisa que analisou as denúncias de violência contra a pessoa idosa,
oriundas da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH) do Ministério dos
Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), no período de 2020 a 2023, e revelou
que 69,22% das pessoas idosas vítimas de violência são mulheres, reforçando a
vulnerabilidade quanto ao gênero e faixa etária e, infelizmente, perpetua o
ciclo histórico de abuso, opressão e dominação no curso histórico da nossa
sociedade.
Assim,
neste primeiro semestre de 2024 foram registradas 78.185 denúncias de violência
contra idosos e com reporte de 450.390 violações, segundo ONDH um aumento
expressivo, quando comparado ao mesmo período no ano de 2023, com 33. 546
registros de violência. As inquietações são urgentes, uma vez que estamos a
vivenciar um processo de envelhecimento populacional célere, que envolve a
redução da mortalidade infantil, da taxa de fecundidade e de melhores condições
dos processos de atenção à saúde - e que todos os países estão a constatar um
aumento no número e na proporção de pessoas que possuem idade igual ou superior
a 60 anos, já que hoje no Brasil são cerca de 33 milhões de pessoas.
O
que podemos fazer? Nesta campanha do Junho Violeta, que tem o tema ‘respeito a
todas as fases da vida’, desenvolvida pelo MDHC, alerte sua família, sua
comunidade, sua cidade sobre as formas de violência que pode haver nesta fase
da vida, como física, a patrimonial, a institucional, a sexual, a discriminação
(etarismo/ageísmo), o abuso psicológico e financeiro, a negligência e o
abandono. E principalmente, caso saiba ou constate caso de violência a pessoa
idosa, faça a denúncia pelo ‘Disque 100’ da ONDH que é gratuito, sigiloso e
disponível 24 horas por dia!
Nenhuma
vida a menos, nenhum direito a menos, respeito acima de tudo, desde o nascer
até o envelhecer.
Maria Caroline Waldrigues - enfermeira, mestre em Educação pela
UFPR, coordenadora dos cursos de Gerontologia do Uninter.
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