quinta-feira, 27 de junho de 2024

Qual é o melhor lugar de São Paulo para trabalhar?

Com mais de 20 anos de experiência profissional, já tive a oportunidade de trabalhar nas regiões da Paulista, Faria Lima, Pinheiros, Berrini, Alphaville. Há cerca de um mês no Centro, afirmo sem qualquer sombra de dúvida: aqui é o lugar de São Paulo mais vibrante e estimulante em que já trabalhei! 

 

Posso dizer que sou frequentador do Centro de São Paulo pelo menos desde a adolescência, quando costumava vadiar com os amigos na Galeria do Rock à tarde após as aulas.

O tempo passou e a região nunca deixou de exercer em mim certo fascínio, uma espécie de atração. Algumas das primeiras fotos com a minha esposa, de mais de 10 anos atrás, são no terraço do centenário Prédio Martinelli. Uma das minhas livrarias preferidas, a Megafauna, fica no térreo do icônico Copan. Algumas das vistas panorâmicas mais interessantes da cidade, na minha opinião, estão na cobertura de edifícios como o Itália, o Esther e o Farol Santander.

Até pouco tempo atrás, bastava um tempo livre para eu tentar dar um jeito de encaixar uma visita ao Centro, fosse para almoçar, ver uma exposição, tomar um café, comprar livros ou para simplesmente caminhar à toa, me perdendo pelas vias estreitas e observando seus belos prédios antigos.

Uma coisa, porém, é visitar esporadicamente a região. Outra completamente diferente é vivenciá-la no dia-a-dia. Agora, pela primeira vez em mais de 20 anos de mercado de trabalho, estou finalmente tendo a oportunidade de vir todos os dias para o Centro, o que tem sido uma experiência realmente incrível.

A começar pela facilidade de se chegar aqui: da Estação Barra Funda, posso seguir pela Linha 3-Vermelha do Metrô até a Sé, fazer baldeação para a Linha 1-Azul, sentido Tucuruvi, descer na Estação São Bento e sair de cara para o meu trabalho. Se estou com tempo, posso descer na Estação República ou na Anhangabaú, da própria Linha 3-Vermelha, e caminhar um pouco, curtindo o amanhecer da cidade ali no Viaduto do Chá.

Em um prédio antigo, tenho o privilégio de trabalhar com as enormes janelas abertas, que me dão ventilação e iluminação naturais, além de uma linda vista da Avenida São João, ali no trecho em que ela cruza com o Vale do Anhangabaú, com o belo prédio do Palácio dos Correios ao fundo. Tão diferente da monotonia e do ambiente artificial dos edifícios espelhados e isolados predominantes em outras regiões empresariais da cidade...

É verdade que, vez ou outra, posso perder a concentração por causa de algum barulho vindo da rua, uma obra, um grito, uma sirene. Outras tantas vezes, porém, minhas tardes foram embaladas por músicos ali na Praça Antônio Prado a tocar jazz, Beatles e outros clássicos do rock. Sem falar na satisfação de ouvir o bater dos sinos do Mosteiro de São Bento todo dia pela manhã.

Na hora do almoço, as ruas são completamente tomadas pelas pessoas; e opções não faltam. Para além dos inúmeros restaurantes no térreo dos prédios, há as pequenas portas que levam a inesperados salões no subsolo, restaurantes no primeiro ou segundo andar de prédios históricos, ou mesmo em andares mais altos, que se abrem para terraços com vistas surpreendentes da cidade.

Há variedade e preço para todos os bolsos e gostos, do sofisticado Esther Rooftop, ao qual fui num almoço comemorativo, ao tradicional balcão da Leiteria Ita, no qual devoro um contrafilé com fritas pelo menos uma vez por semana. De quebra, ainda é possível aproveitar o horário do almoço para passear pela Galeria do Rock, visitar o Sesc 24 de Maio, a 25 de Março, uma das famosas ruas temáticas ou curtir alguma das muitas atividades culturais da região – neste meu primeiro mês, por exemplo, visitei as ótimas exposições “Arte Subdesenvolvida” (Centro Cultura Banco do Brasil, gratuita, até 05 de agosto) e “Corpo-Casa: Diálogos entre Carolee Schneemann, Diego Bianchi e Márcia Falcão” (Espaço Pivô, gratuita, até 07 de julho).

Instalação “Sonhos de Refrigerador (Aleluia Século 2000)” na exposição
   
“Arte Subdesenvolvida”, em cartaz no Centro  Cultural Banco do Brasil 
 
até 05 de agosto (Foto: Vitor França)

 

Todo dia é possível fazer uma nova descoberta: um novo prédio, um novo café, um novo restaurante, uma nova exposição. Acho incrível como, mesmo andando todo dia por aqui, ainda consigo me perder, para logo me encontrar a partir do reconhecimento de alguma esquina, de algum edifício mais alto. Esse aspecto labiríntico do Centro, com seus prédios históricos geminados, as passagens pelas galerias, suas diferentes luzes quando anoitece, sempre dá à região um delicioso ar de magia e mistério.

É verdade também que ainda há muitos moradores de rua e dezenas de estabelecimentos fechados e placas de “aluga-se” – um caso triste e bem recente foi o fechamento do tradicional Café Girondino na rua Boa Vista. Observando o movimento diário das ruas, contudo, tenho muita dificuldade de atribuir o fechamento de estabelecimentos comerciais a uma suposta crise, decadência ou falta de vida no Centro, conforme tentam nos convencer algumas narrativas correntes.

A região, sempre cheia de gente, na verdade parece estar passando por uma fase de transição, reforçando ou encontrando novas vocações para além do comércio popular.

Certos segmentos do varejo físico, em particular, – e não somente no Centro –vêm sofrendo cada vez mais com a concorrência do comércio eletrônico, o que, somado às restrições impostas pela pandemia e aos problemas de violência do passado recente, parece estar por trás do fechamento de muitas lojas.

Por outro lado, não há como negar o crescente interesse da população por experiências gastronômicas ou culturais na região central – basta ver o sucesso da Casa de Francisca, das festas no terraço do Martinelli ou a nova ocupação da galeria Metrópole com empresas da economia criativa. Melhorias urbanas, incentivos fiscais e intensificação das medidas de segurança têm contribuído bastante para isso. Os projetos de retrofit e o aumento da oferta de moradia, por sua vez, devem trazer ainda mais vida e movimento para a região.

Em mais de 20 anos no mercado de trabalho público e privado, vi de perto a preocupação de muitas grandes empresas em criar ambientes estimulantes para a inovação e criatividade de seus colaboradores. Para isto, muitas dessas empresas se instalaram em locais isolados, longe da rua e da vida urbana, construindo espaços que proporcionassem internamente tudo de que os colaboradores supostamente precisariam, de alimentação e salão de beleza a entretenimento e academia de ginástica.

Mais do que ambientes internos supostamente descontraídos e oferta de serviços, contudo, nada me parece mais estimulante do que a proximidade com ruas vivas, prédios históricos, boa arquitetura, diversidade, uma grande oferta de opções gastronômicas e culturais. A facilidade de acesso e as vias cheias de gente também são um importante diferencial, já que possibilitam não apenas menos tempo perdido no trânsito, mas também encontros mais frequentes, planejados ou ao acaso, com amigos e antigos colegas de trabalho.

“Afinal, a cidade é formada por pessoas; quão mais criativas elas forem e quão mais interconectada estiver essa criatividade, mais criativa será a cidade. Quão mais criativo for o ambiente da cidade, mais o talento de cada habitante e profissional será estimulado. Quão mais pujante for a economia criativa, mais inspiradora e instigante se tornará a cidade”, escreve a Doutora em Urbanismo Ana Carla Fonseca Reis em seu livro “Cidades Criativas”.

Pois nesses mais de 20 anos de experiência profissional, já tive a oportunidade de trabalhar nas regiões da Paulista, Faria Lima, Pinheiros Berrini, Alphaville. Nenhuma delas, contudo, oferece um cenário tão interessante, instigante e fascinante quanto a região central. Há cerca de um mês aqui, afirmo sem qualquer sombra de dúvida: o Centro é o lugar de São Paulo mais vibrante e estimulante em que já trabalhei!

 

IMAGEM: Masao Goto Filho/DC



Vitor França
Economista pela FEA-USP e mestre em economia pela FGV-SP


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