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sexta-feira, 22 de março de 2024

Emmanuel Nassar ocupa Sala de Vidro do MAM São Paulo com obra interativa

Emmanuel Nassar, Lataria Espacial, 2022. Pintura sobre chapas metálicas. Coleção do artista.
Foto: Mario Grisolli

  Trabalho do artista paraense que faz alusão à corrida espacial ficará no espaço até setembro; público poderá interagir com a obra Lataria Espacial

 

A Sala de Vidro do Museu de Arte Moderna de São Paulo apresentará uma nova obra entre 02 de abril e 01 de setembro de 2024: Lataria Espacial (2022), uma instalação do artista paraense Emmanuel Nassar. Aberta à interação do público, a  obra remete aos trabalhos que o artista desenvolve desde os anos 1980, usando a geometria e cores de tons fortes.

Desde Recepcôr (1981), Nassar foi se afastando da pintura figurativa e passou a trazer para seus trabalhos uma discussão sobre a precariedade e sobre o sonho de novas tecnologias. O trabalho que inaugura essa pesquisa é uma espécie de aparelho de alta tecnologia que receberia tudo aquilo que rondava a cabeça do artista. Recepcôr é uma obra que não tinha apenas uma solução estética, mas também era funcional.

Essa ligação com uma suposta tecnologia tratada de uma forma irônica, em geringonças com chapas velha de metal, passa por todo o conjunto da obra do artista desde então. Essa relação aparece especialmente em motivos que remetem à corrida espacial, à conquista dos ares, expressados em coisas como foguetes, lunetas, pontos cardeais e estrelas.

O artista conta que o interesse por busca interplanetária vem de uma memória afetiva. Nascido em 1949 na cidade interiorana de Capanema, no nordeste do Pará, Nassar é filho de um comerciante simples e de uma professora primária. Ele cresceu estimulado por diversas curiosidades sobre a conquista espacial, uma fixação de seu pai. “Ele era apaixonado pelas novidades do desenvolvimento do Brasil, pelos avanços tecnológicos. Essa coisa no meu trabalho é uma espécie de homenagem à memória do meu pai, pois eu sou filho dessa herança”, explica.

Em Lataria Espacial, Emmanuel Nassar constrói um jatinho particular inspirado no Phenom 300, um avião nacional de alta performance, um dos mais vendidos do mundo, desenvolvido e fabricado pela Embraer. Na obra, toda essa modernização representada por esse avião é contrastada pela precariedade de uma instalação construída em pedaços, ligando chapas de zinco galvanizadas que são pintadas com esmalte sintético.

Feito com uma solução simples de dois planos e suspenso por dois cabos, o trabalho aproxima dois opostos, “a lataria envelhecida e com sinais de desgaste, o que há de primitivo e popular nas funilarias do subúrbio” e as “missões espaciais e altamente tecnológicas que colaboraram para o desenvolvimento das comunicações via satélite”, aponta Cauê Alves, curador-chefe do MAM, em texto que acompanha a obra.

O curador ainda avalia que “se o voo está ligado à imagem da liberdade que tanto aviões quanto pássaros evocam, uma das asas de Lataria Espacial está decepada, como se estivesse incrustada na parede”. Desta forma, estando dentro da Sala de Vidro, “a obra parece tratar mais da impossibilidade de levantar voos do que da completa realização do desejo de liberdade”.

Inicialmente produzida para uma individual de Nassar no Museu de Arte do Rio de Janeiro, Lataria Espacial partiu do desejo do artista de que no centro da sala estivesse uma instalação que fosse um atrativo para a interação, que fosse atraente especialmente para um público jovem, um público de faixa etária e hábitos que ele associa também ao MAM São Paulo. A participação do público na obra é algo que interessa muito a Nassar. Em Bandeiras (1998), obra que faz parte da coleção do MAM, o artista reuniu bandeiras de diversos municípios do Pará. Para isso, fez uma campanha de 14 meses em busca delas, incluindo dois meses de campanha publicitária em jornais do estado, pedindo que a população levasse as bandeiras até ele, em uma construção coletiva.

No MAM, os visitantes poderão acessar a escadinha do avião, onde poderão sentar, caminhando por um tapete vermelho. O público também pode interagir com uma mala de mão que fica ao lado da porta do avião e onde o artista guarda os parafusos que sustentam a obra. O curador-chefe do museu atribui à experiência do contato com esta obra as qualidades de ser única e generosa, por propiciar uma interação mais de perto. “Lataria Espacial permite que os diversos públicos do MAM se divirtam ao serem recebidos com o prestígio e status de um tapete vermelho, brinquem, tirem selfies com a bagagem, como se estivessem prestes a embarcar num sonho”, comenta.



Sobre o artista

Emmanuel Nassar formou-se em arquitetura pela Universidade Federal do Pará (UFPA) em 1975. Teve mostras retrospectivas, dentre as quais Lataria Espacial, Museu de Arte do Rio, Rio de Janeiro, RJ (2022); EN: 81-18, Estação Pinacoteca, São Paulo, SP (2018); A Poesia da Gambiarra, com curadoria de Denise Mattar, Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro, RJ, e Brasília, DF (2003); e Museu de Arte Moderna de São Paulo, SP (1998). Também realizou individuais em diferentes instituições, como: Millan, São Paulo, SP (2016, 2013, 2010, 2008, 2005, 2003); Museu Castro Maya, Rio de Janeiro, RJ (2013); Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, Rio de Janeiro, RJ (2012): Centro Universitário Maria Antonia, São Paulo, SP (2009); Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, SP (2003).

Entre as mostras coletivas de que participou, se destacam I Bienal das Amazônias, Belém, Brasil; Brasil Futuro: as formas da democracia, Museu Nacional da República, Brasília, DF e Espaço Cultural Casa das Onze Janelas, Belém, PA, em 2023; Desvairar 22, Sesc Pinheiros, São Paulo, SP (2022); Crônicas Cariocas, Museu de Arte do Rio, Rio de Janeiro, RJ (2021); Língua Solta, Museu da Língua Portuguesa, São Paulo, SP (2021); Potência e Adversidade, Pavilhão Branco e Pavilhão Preto, Campo Grande, Lisboa, Portugal (2017); Aquilo que Nos Une, Caixa Cultural Rio de Janeiro, RJ (2016); 140 Caracteres, Museu de Arte Moderna de São Paulo, SP (2014); O Abrigo e o Terreno, Museu de Arte do Rio, RJ (2013); Ensaios de Geopoética, 8ª Bienal do Mercosul, Porto Alegre, RS (2011); VI Bienal Internacional de Estandartes, Tijuana, México (2010); Fotografia Brasileira Contemporânea, Neuer Berliner Kunstverein, Berlim, Alemanha (2006); Brasil + 500 – Mostra do Redescobrimento, Fundação Bienal de São Paul, SP (2000); 6ª Bienal de Cuenca, Equador (1998); 24ª e 20ª Bienal de São Paulo, SP (1998 e 1989); representação brasileira na Bienal de Veneza, Itália (1993); U-ABC, Stedelijk Museum, Amsterdã, Holanda; e a 3ª Bienal de Havana, Cuba (1989).

Suas obras integram coleções como a Colección Patricia Phelps de Cisneros, Nova York, EUA, e Caracas, Venezuela; Museu de Arte Moderna de São Paulo, São Paulo; Museu de Arte de São Paulo, São Paulo; Museu de Arte do Rio, Rio de Janeiro; Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro; Museu de Arte Contemporânea de Niterói, Niterói; Instituto Figueiredo Ferraz, Ribeirão Preto, e University Essex Museum, Inglaterra
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Serviço:


Emmanuel Nassar: Lataria Espacial
Abertura: 02 de abril, terça-feira, às 19h
Período expositivo: 03 de abril a 01 de setembro de 2024
Local: Sala de Vidro, Museu de Arte Moderna de São Paulo
Museu de Arte Moderna de São Paulo
Endereço: Parque Ibirapuera (Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº - acesso pelos portões 1 e 3)
Horários: terça a domingo, das 10h às 18h (com a última entrada às 17h30)
Ingressos: R$30,00 inteira e R$15,00 meia-entrada. Aos domingos, a entrada é gratuita e o visitante pode contribuir com o valor que quiser. Para ingressos antecipados, acesse mam.org.br/visite
*Meia-entrada para estudantes, com identificação; jovens de baixa renda e idosos (+60). Gratuidade para crianças menores de 10 anos; pessoas com deficiência e acompanhante; professores e diretores da rede pública estadual e municipal de São Paulo, com identificação; amigos e alunos do MAM; funcionários das empresas parceiras e museus; membros do ICOM, AICA e ABCA, com identificação; funcionários da SPTuris e funcionários da Secretaria Municipal de Cultura.
Telefone: (11) 5085-1300
Acesso para pessoas com deficiência
Restaurante/café
Ar-condicionado



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sexta-feira, 2 de junho de 2023

Festas juninas: do direito autoral às músicas mais tocadas no Brasil nos últimos 10 anos

Compositores e artistas devem ser remunerados por todos aqueles que utilizam música nos tradicionais festejos


Todos os anos, nos meses de junho e julho, as festas de São João predominam no calendário de eventos em todo o Brasil. São arraiás, quermesses, quadrilhas, eventos em clubes, shows e atrações musicais movidos a baião, xote, xaxado, forró, sertanejo e outros ritmos. A música tem um papel fundamental no sucesso e para a realização das festas juninas, o que evidencia sua importância na difusão da cultura no país. Neste cenário, também se destaca a relevância do trabalho do Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) na arrecadação dos direitos autorais de execução pública. No ano passado, a instituição distribuiu R$ 4 milhões em direitos autorais relativos às festas juninas, contemplando mais de 8.700 compositores, intérpretes, músicos, editores e produtores fonográficos.

O valor distribuído em 2022 foi 27% menor que em 2019, antes da pandemia do coronavírus. Para este ano, as equipes do Ecad reforçaram a campanha de conscientização sobre o pagamento dos direitos autorais. É por meio da cobrança desses direitos que esses milhares de compositores e artistas recebem seus rendimentos provenientes de suas obras musicais e gravações tocadas em todo o país neste período. De todos os valores arrecadados pelo Ecad, 85% são destinados para compositores, artistas e demais titulares. Outros 15% são destinados às atividades da gestão coletiva (6% são repassados às associações de música e 9% ao Ecad).

"As festas juninas estão se aproximando e já começamos uma campanha de conscientização sobre o pagamento de direitos autorais voltada para promotores e organizadores desses eventos para destacar a importância de reconhecer e valorizar os compositores que enaltecem as tradições musicais do Norte e Nordeste. A música é um fator determinante para muitos negócios, é utilizada como estratégia e investimento de diversas marcas. Não é possível que ainda tenhamos que discutir se um evento deve ou não pagar para usar música. Trabalhamos duro para que compositores e artistas recebam a remuneração justa por sua arte", afirma Isabel Amorim, superintendente executiva do Ecad.



Não tem mistério: “Festa na roça” continua na liderança das mais tocadas

Um levantamento recente mostrou como está atualmente o ranking das músicas mais tocadas nos últimos 10 anos no Brasil. A liderança ficou com “Festa na roça”, de autoria de Mario Zan e Palmeira. No top 3 também ficaram “Olha pro céu”, de autoria de Gonzagão e José Fernandes de Carvalho, e “O sanfoneiro só tocava isso”, de Haroldo Lobo e Geraldo Medeiros, na segunda e terceira posições. Com os direitos autorais pagos e as músicas identificadas, o Ecad pode fazer a distribuição aos compositores e artistas. É a partir daí que a instituição produz os rankings musicais.

Para distribuir os valores em direitos autorais é imprescindível que haja o pagamento. Antes da realização de um evento ou de um show junino, os organizadores e promotores devem procurar a unidade do Ecad mais próxima para cadastrá-lo e solicitar o cálculo do valor a ser pago pela utilização das músicas. Desta forma, será possível utilizar toda e qualquer música, garantindo o pagamento aos criadores. Além disso, o cadastro das festas juninas é importante para que o Ecad contabilize os eventos realizados.

Mas outra questão é fundamental: a identificação das músicas para o repasse dos valores arrecadados. Promotores e organizadores das festas juninas com shows ao vivo devem enviar ao Ecad o roteiro musical para a remuneração dos compositores. Afinal, eles não subirão ao palco, como os intérpretes e músicos, e não receberão os cachês musicais acordados para as apresentações. Já as músicas tocadas em eventos juninos são identificadas por meio de gravações realizadas por aparelhos digitais instalados nos locais por funcionários do Ecad. Essas gravações passam a fazer parte de uma amostragem estatística certificada pelo Ibope.


Festa Junina - Ranking das músicas mais tocadas no segmento de Festas Juninas nos últimos 10 anos no Brasil

 

Posição

Música

Autores

1

Festa na roça

Palmeira / Mario Zan

2

Olha pro céu

Gonzagão / José Fernandes de Carvalho

3

O sanfoneiro só tocava isso

Haroldo Lobo / Geraldo Medeiros

4

Asa branca

Gonzagão / Humberto Teixeira

5

Pagode russo

João Silva / Gonzagão

6

Eu só quero um xodó

Anastácia / Dominguinhos

7

O xote das meninas

Zé Dantas / Gonzagão

8

Esperando na janela

Targino Gondim / Raimundinho do Acordeón / Manuca Almeida

9

São Joäo na roca

Zé Dantas / Gonzagão

10

Fogo sem fuzil

Gonzagão / José Marcolino

11

Quadrilha brasileira

Gerson Filho / Jose Maria de Aguiar Filho

12

Frevo mulher

Zé Ramalho

13

Pula a fogueira

João Bastos Filho / Amor

14

Isso aqui ta bom demais

Dominguinhos / Nando Cordel

15

Quadrilha (instrumental)

Josias Damasceno de Almeida

16

Xote dos milagres

Tato

17

Antonio Pedro e João

Benedito Lacerda / Oswaldo Santiago

18

Rindo à toa

Tato

19

Xote da alegria

Tato

20

Marcando a quadrilha

Mario Zan

 

segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

ASSI Pesquisa mostra ligação entre pobreza na infância e desenvolvimento de transtornos mentais na fase adulta

Crianças e jovens com problemas externalizantes podem ter mais chance de impacto negativo no aprendizado, no desenvolvimento social, no mercado de trabalho (foto: Pixabay)

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Pesquisa publicada em dezembro na revista científica European Child & Adolescent Psychiatry mostra uma associação entre pobreza infantil e maior propensão para desenvolver transtornos externalizantes, como déficit de atenção e hiperatividade, na juventude, especialmente entre mulheres.

Os pesquisadores concluíram que a pobreza multidimensional e a exposição a situações estressantes, entre elas mortes e conflitos familiares, são fatores de risco evitáveis que precisam ser enfrentados na infância para reduzir o impacto de transtornos mentais na fase adulta. Foram levados em consideração o nível educacional dos pais, as condições de moradia e infraestrutura das famílias, acesso a serviços básicos, entre outros.

O trabalho acompanhou, durante cerca de sete anos, 1.590 alunos de escolas públicas de Porto Alegre (RS) e de São Paulo, que participaram de três etapas de avaliação, sendo a última delas entre 2018 e 2019. Esses estudantes fazem parte de uma grande pesquisa de base comunitária, que, desde 2010, segue 2.511 famílias com crianças e jovens, à época com idades entre 6 e 10 anos, dentro do Estudo Brasileiro de Coorte de Alto Risco para Transtornos Psiquiátricos na Infância (BHRC).

Também conhecido como Projeto Conexão - Mentes do Futuro, o BHRC é considerado um dos principais acompanhamentos sobre riscos de transtornos mentais em crianças e adolescentes já desenvolvidos na psiquiatria brasileira. É realizado pelo Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento para a Infância e Adolescência (INPD), apoiado pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

O instituto tem como coordenador-geral o professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) Eurípedes Constantino Miguel Filho. Conta com mais de 80 professores e cientistas de 22 universidades brasileiras e internacionais.

“Parece senso comum dizer que a pobreza pode ter impacto futuro no desenvolvimento de problemas de saúde mental. Porém ainda não havia no Brasil uma pesquisa que permitisse analisar o desenvolvimento da criança até o começo da vida adulta baseado em avaliações psiquiátricas feitas em mais de um momento. Da forma como realizamos o trabalho, foi possível observar a tendência tanto na adolescência como no início da idade adulta”, explica a pesquisadora Carolina Ziebold, do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e primeira autora do artigo.

Os diagnósticos psiquiátricos foram obtidos por meio da Avaliação de Desenvolvimento e Bem-estar (DAWBA, na sigla em inglês), aplicada na infância, depois na adolescência (quando os alunos tinham idade média de 13 anos e 5 meses) e na faixa etária dos 18 anos. O estudo levou em consideração distúrbios externalizantes e também os internalizantes, como depressão e ansiedade. No entanto, no caso desses últimos não houve registro significativo no resultado geral.

Para analisar as carências das famílias, os cientistas aplicaram questionários socioeconômicos. No total, 11,4% da amostra estava enquadrada em níveis de pobreza.

“Essa avaliação psiquiátrica em três momentos permitiu obter um resultado consistente. Isso porque houve variação ao longo do tempo. Crianças de famílias pobres chegaram a ter níveis de transtornos externalizantes menores do que as de não pobres no início do acompanhamento. Mas, depois de alguns anos, a curva se inverteu, com um crescimento constante dos distúrbios entre crianças de famílias pobres. A probabilidade de apresentar problemas entre elas foi de 63%, enquanto entre as de não pobres diminuiu no período”, afirma Ziebold.

Desigualdade de gênero

Os autores do artigo destacaram que, nas análises estratificadas por gênero, a pobreza infantil teve consequências prejudiciais especialmente para as mulheres.

“Esse resultado chamou muito a atenção e deve ser um dos mais relevantes. Geralmente os transtornos externalizantes são mais comuns em homens. Nossa hipótese é que as meninas pobres têm menos chance de diagnóstico precoce de problemas, seja na família ou na escola. Além disso, elas assumem mais tarefas desde cedo em casa, como cuidar de irmãos mais novos e de pessoas doentes. Essa sobrecarga expõe a mais eventos estressantes, que aumentam as chances de apresentar problemas mentais quando adultas”, diz a pesquisadora.

Os transtornos externalizantes também foram particularmente prejudiciais para as mulheres nos resultados educacionais, principalmente em relação ao atraso escolar, como mostrou um outro trabalho do grupo, recém-publicado na revista Epidemiology and Psychiatric Sciences.

Essa pesquisa, realizada com a mesma base do BHRC, concluiu que pelo menos dez a cada cem meninas que estavam fora da série escolar adequada para sua idade poderiam ter acompanhado a turma se transtornos mentais, principalmente os externalizantes, fossem prevenidos ou tratados. No caso da repetência, cinco em cada cem alunas não teriam reprovado (leia mais em https://agencia.fapesp.br/37419/).

"Crianças e jovens com problemas externalizantes podem ter mais chance de impacto negativo no aprendizado, no desenvolvimento social, no mercado de trabalho, aumentando assim a possibilidade de se manterem na pobreza quando adultos”, completa Ziebold.

No Brasil, a chance de um filho repetir a baixa escolaridade dos pais é o dobro da probabilidade de que isso ocorra nos Estados Unidos, por exemplo, e bem acima da média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo de 38 países ricos e emergentes. Quase seis a cada dez brasileiros (58,3%) cujos pais não tinham o ensino médio completo também pararam de estudar antes de concluir essa etapa. Entre os americanos, o percentual cai para 29,2% e na OCDE fica em 33,4%, de acordo com estudo (https://imdsbrasil.org/indicadores) do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), que analisou as transformações educacionais entre gerações.

Por outro lado, no mercado de trabalho, as chances de os filhos alcançarem o estrato de ocupações mais sofisticadas e com melhores rendimentos aumentam à medida que os pais são mais escolarizados. Filhos cujos pais têm nível superior apresentam 3,3 vezes mais possibilidade de estar no estrato mais sofisticado do mercado se comparados à média da população e quase nove vezes mais chances do que os filhos de pais sem instrução (Mais informações em https://imdsbrasil.org/doc/Imds_Sinopse%20de%20Indicadores01_Ago2021.pdf).


Pandemia

Ziebold destaca que, como os transtornos externalizantes podem ter impactos de longo prazo na saúde e nos resultados sociais durante a vida adulta, as descobertas do estudo reforçam a importância das intervenções antipobreza logo no início da vida.

“Quando falamos que é preciso reduzir a pobreza para diminuir as chances de transtorno mental, estamos pensando na questão de uma forma multidimensional. Não é uma solução rápida. Ações imediatas, como conceder bolsa e auxílio para que as famílias tenham renda, são importantes, mas também é necessário pensar em medidas mais amplas, que envolvam a promoção de habilidades socioemocionais, a redução do estresse, o acesso a serviços de educação e saúde, incluindo a mental.”

A pesquisadora lembra que a pandemia de COVID-19 acabou aumentando o percentual de pessoas vivendo na pobreza a níveis alarmantes. Relatório divulgado pelo Unicef, órgão das Organizações Unidas (ONU) para questões da infância, estimou que 100 milhões de crianças a mais estejam vivendo em pobreza multidimensional no mundo, um aumento de 10% desde 2019.

Segundo o documento, em outubro de 2020, 93% dos países chegaram a interromper ou suspender serviços essenciais de atendimento a transtornos mentais, problemas que afetam mais de 13% das meninas e meninos de 10 a 19 anos em todo o mundo (Mais informações em https://www.unicef.org/media/112841/file/UNICEF%2075%20report.pdf). O relatório projetou que, mesmo com os melhores cenários, serão necessários de sete a oito anos para recuperar e retornar aos níveis da pobreza infantil de antes da pandemia.

O artigo Childhood poverty and mental health disorders in early adulthood: evidence from a Brazilian cohort study, dos pesquisadores Carolina Ziebold, Sara Evans-Lacko, Mário César Rezende Andrade, Maurício Hoffmann, Laís Fonseca, Matheus Barbosa, Pedro Mario Pan, Euripedes Constantino Miguel Filho, Rodrigo Bressan, Luis Augusto Rohde, Giovanni Salum, Julia Schafer, Jair de Jesus Mari e Ary Gadelha, pode ser lido em https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs00787-021-01923-2.

 

 

Luciana Constantino

Agência FAPESP 

https://agencia.fapesp.br/pesquisa-mostra-ligacao-entre-pobreza-na-infancia-e-desenvolvimento-de-transtornos-mentais-na-fase-adulta/37588/

 

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Prevenção de transtornos mentais entre estudantes pode evitar repetência e evasão escolar, aponta estudo


Trabalho conduzido por cientistas brasileiros e britânicos envolveu 2.511 famílias com estudantes entre 6 e 14 anos. Dados mostram que transtornos externalizantes, como déficit de atenção e hiperatividade, causam mais impactos negativos do que psicopatias ligadas a angústias e medos (foto: Pixabay)

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Pelo menos dez a cada cem meninas que estavam fora da série escolar adequada para sua idade poderiam ter acompanhado a turma se transtornos mentais, principalmente os externalizantes (como déficit de atenção e hiperatividade), fossem prevenidos ou tratados. O impacto negativo dessas condições mentais também se reflete na repetência: cinco em cada cem alunas não teriam reprovado. Para meninos, seriam prevenidos 5,3% dos casos de distorção idade-série e 4,8% das reprovações.

Esses resultados foram revelados em uma pesquisa inovadora, liderada por um grupo de cientistas brasileiros e britânicos e publicada na revista Epidemiology and Psychiatric Sciences. Os pesquisadores buscaram estimar o peso e o impacto de diferentes tipos de condições psiquiátricas nos resultados educacionais, usando como base dados de 2014.

Concluíram, em linhas gerais, que os transtornos externalizantes tiveram efeitos negativos mais amplos e robustos sobre a educação quando comparados a psicopatias ligadas a angústias e medos. Ao analisar por gênero, foram particularmente prejudiciais para as mulheres, resultando em níveis mais baixos de alfabetização e perpetração de bullying.

Nesse caso, pelo menos 11 em cada cem registros de atos de violência física ou psicológica praticados por meninas em escolas poderiam ser evitados se transtornos externalizantes fossem prevenidos ou tratados. Já para o sexo masculino, as fobias e a depressão implicaram maiores índices de abandono escolar.

“Em termos epidemiológicos, geralmente os meninos têm mais transtornos externalizantes, chegando a ser o dobro de casos do que em meninas. Mas, no desfecho educacional, vimos que é um fator de risco maior para as alunas. Uma das hipóteses que explicam esse achado é o estigma social, já que não é esperado das mulheres um comportamento agressivo ou exacerbado. Com isso, elas podem sofrer mais e apresentar pior desempenho escolar. O mesmo vale para a depressão no caso de meninos. Há uma cobrança da sociedade de que eles não chorem ou externem sentimentos”, avalia o pesquisador Mauricio Scopel Hoffmann, primeiro autor do artigo e professor adjunto do Departamento de Neuropsiquiatria da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

O trabalho, desenvolvido no pós-doutorado de Hoffmann, teve apoio da FAPESP (projetos 14/50917-0 e 08/57896-8) e do Newton Fund, por meio do Newton Fellowship obtido pelo professor e pela pesquisadora Sara Evans-Lacko, na Academy of Medical Sciences do Reino Unido, realizado na London School of Economics and Political Sciences entre 2019 e 2020.

Os dados foram obtidos no Estudo Brasileiro de Coorte de Alto Risco para Transtornos Psiquiátricos na Infância (BHRC), uma grande pesquisa de base comunitária que acompanha crianças e jovens desde 2010.

Fazendo a análise das informações referentes a 2014, os pesquisadores contextualizaram as descobertas em uma perspectiva populacional, mas já alertando que eram estimativas conservadoras. Concluíram que, à época, pelo menos 591 mil estudantes poderiam estar na série adequada para sua idade se transtornos psiquiátricos fossem detectados preventivamente e tratados. No caso da repetência, seria possível evitar que cerca de 196 mil alunos ficassem retidos na mesma série.

De acordo com Hoffmann, mesmo tendo passado quase sete anos da base de cálculo, o quadro obtido na pesquisa pode ser replicado para os dias atuais, fornecendo evidências da importância do tratamento e da prevenção de condições psiquiátricas para melhores resultados educacionais. Em 2014, o Brasil registrou 49,8 milhões de matrículas em 188,7 mil escolas de educação básica (públicas e particulares). Em 2020, esses números caíram para 47,3 milhões e 179,5 mil, respectivamente.

Estudo longitudinal

Considerado um dos principais acompanhamentos sobre riscos de transtornos mentais em crianças e adolescentes já realizados na psiquiatria brasileira, o BHRC, também conhecido como Projeto Conexão – Mentes do Futuro, faz parte do Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento para Crianças e Adolescentes (INPD).

Apoiado pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o INPD tem como coordenador-geral o professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) Eurípedes Constantino Miguel Filho e conta com mais de 80 professores e pesquisadores de 22 universidades.

Para o estudo recém-publicado, os pesquisadores analisaram dados da linha de base (iniciada em 2010) e de acompanhamento durante três anos (até 2014) do BHRC, considerando uma etapa de triagem e uma de avaliação. A pesquisa usou pesos de pontuação de propensão (PSWs, na sigla em inglês) para equilibrar os participantes com e sem condições psiquiátricas para as características basais.

Na triagem, nos dias de matrícula obrigatória em 2010, pais de alunos de 22 escolas públicas de Porto Alegre (RS) e 35 de São Paulo foram convidados a participar. Para a avaliação completa houve a seleção de 2.511 famílias. Os alunos tinham de 6 a 14 anos.

Os transtornos mentais foram divididos em três grandes grupos: de angústia e sofrimento (como transtorno depressivo maior e depressivo não especificado, bipolar, obsessivo-compulsivo e pós-traumático); de medos (pânico, fobias específicas, separação e transtorno de ansiedade social) e os transtornos externalizantes (déficit de atenção, hiperatividade, conduta de oposição e desafio).

O grupo usou a Avaliação de Comportamento de Desenvolvimento e Bem-estar e calculou as porcentagens de risco atribuíveis à população para estimar a proporção de resultados educacionais adversos ligados a condições psiquiátricas. As análises foram conduzidas separadamente para homens e mulheres.

"Um dos objetivos foi analisar o quanto dos eventos escolares não desejados poderiam ser evitados se os transtornos mentais fossem tratados e em qual medida. Obtivemos um resultado prático muito claro, já que desfechos como distorção idade-série, repetência, desistência escolar e perpetuação de bullying estão ligados", afirma Hoffmann à Agência FAPESP.

Segundo ele, além dos impactos negativos na educação, principalmente para as mulheres, os problemas da saúde mental podem limitar no futuro oportunidades socioeconômicas, aumentando desigualdades de gênero no mercado de trabalho, por exemplo.

Estimativas apontam que uma a cada quatro pessoas pode desenvolver quadros de transtornos mentais ao longo da vida, estando entre as principais causas de incapacitação na faixa etária dos 14 aos 50 anos. De acordo com projeções da Organização Mundial da Saúde (OMS), o custo para a economia mundial com esses casos deve chegar a US$ 6 trilhões em 2030.

“Fazer o diagnóstico correto é o primeiro passo. Isso ajudaria a reduzir alguns problemas enfrentados nas escolas. Políticas que incentivem a detecção e intervenção precoce de problemas de saúde mental na infância e adolescência podem ter consequências profundas no nível educacional dos cidadãos”, completa o pesquisador.

O Censo Escolar 2020, do Ministério da Educação, apontou que a taxa de distorção idade-série alcança 22,7% das matrículas dos anos finais do ensino fundamental e 26,2% no médio. Além disso, há um aumento dessa taxa a partir do 3º ano do ensino fundamental, sendo mais alta no sétimo ano e na primeira série do ensino médio.

Essa distorção resulta, entre outros fatores, do total de alunos reprovados ou que abandonam os estudos durante determinado ano letivo. Dificilmente esse processo é reversível, já que muitas vezes a criança, ao atrasar nos anos iniciais da educação básica, permanece nessa situação até a adolescência, ao concluir o ensino médio ou, eventualmente, até uma evasão.

Esse quadro explica o fato de o Brasil ter o quarto maior percentual de jovens que repetiram de série pelo menos uma vez durante a vida escolar entre 79 países analisados em relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Dos estudantes brasileiros de 15 anos, 34% repetiram a série ao menos uma vez. O Marrocos tem o pior resultado, com 49,3%, seguido da Colômbia (40,8%) e do Líbano (34,5%). O documento, divulgado no ano passado, tem como base indicadores do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês).

Segundo Hoffmann, que é médico, uma parceria entre educação e saúde, reforçando a prevenção, seria um dos caminhos para reduzir os efeitos negativos nas escolas. "Um exemplo são os casos de déficit de atenção [TDAHs]. Sabemos que somente 20% deles são detectados no Brasil. Se a taxa aumentasse em dez pontos percentuais, para 30%, estimamos que cerca de 8 mil repetências poderiam ser evitadas a cada ano."

Uma das alternativas é contar com a ajuda de professores nesse trabalho. Para isso, o grupo de cientistas criou um material psicoeducativo para pais e docentes tratando do tema e mostrando a importância do papel de mediação para evitar estigmas.

COVID-19

Durante a pandemia, o tema da saúde mental ganhou destaque e novos estudos, principalmente para avaliar os impactos do isolamento social e das aulas a distância para crianças e jovens. Hoffmann diz que um dos trabalhos dos cientistas agora, liderado pela pesquisadora na área de neurociência e comportamento humano Patrícia Pinheiro Bado, é investigar a relação do engajamento em aprendizado on-line com a saúde mental dos alunos.

Há evidências de estudos britânicos publicados recentemente mostrando que, durante a pandemia de COVID-19, jovens, adultos e idosos com transtornos mentais prévios tiveram mais consequências prejudiciais, como a perda de empregos, problemas de saúde e emocionais.

No Brasil, com as escolas fechadas por causa da COVID-19, o Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância (Unicef) estimou que 1,5 milhão de crianças e adolescentes de 6 a 17 anos não frequentavam as aulas (remota ou presencialmente) em novembro de 2020. Outros 3,7 milhões de alunos matriculados deixaram de ter acesso a atividades escolares e não conseguiram continuar aprendendo em casa.

O artigo The impact of child psychiatric conditions on future educational outcomes among a community cohort in Brazil, dos pesquisadores Mauricio Scopel Hoffmann, David McDaid, Giovanni Abrahão Salum, Wagner Silva-Ribeiro, Carolina Ziebold, Derek King, Ary Gadelha, Eurípedes Constantino Miguel, Jair de Jesus Mari, Luis Augusto Rohde, Pedro Mario Pan, Rodrigo Affonseca Bressan, Ramin Mojtabai e Sara Evans-Lacko, pode ser lido em: www.cambridge.org/core/journals/epidemiology-and-psychiatric-sciences/article/impact-of-child-psychiatric-conditions-on-future-educational-outcomes-among-a-community-cohort-in-brazil/56B83E2BF23C701A4747AD2595F347BB#.

 

Luciana Constantino

Agência FAPESP 

https://agencia.fapesp.br/prevencao-de-transtornos-mentais-entre-estudantes-pode-evitar-repetencia-e-evasao-escolar-aponta-estudo/37419/


sábado, 28 de agosto de 2021

Como agem os pais que educam emocionalmente os filhos para superar desafios

 Estilos parentais influenciam o modo como os filhos encaram suas emoções e ultrapassam dificuldades

 Desde 1982, quando me formei em psiquiatria, estudei uma infinidade de abordagens no campo das psicoterapias. Paralelamente, também criei uma família, tive três filhos e o desafio comum à maioria dos pais: educá-los emocionalmente para enfrentar os próprios desafios que a vida tem.

Em meu trabalho como professor e facilitador de terapia sistêmica – que considera não só o indivíduo, mas também todo o seu sistema familiar –, observo com frequência a dificuldade dos membros de um sistema familiar em aceitar a dor que provocam os conflitos familiares. Por quê? Porque não fomos educados emocionalmente para enfrentá-los. 

Por trás de todo padrão de sofrimento familiar que se repete por gerações, há também um legado de como as emoções, que estão em jogo, são difíceis de administrar.

 

Quatro “estilos” de pais

 Educamos emocionalmente nossos filhos a todo o momento, mesmo quando não nos damos conta disso. Sempre estamos transmitindo emoções e a forma como as administramos.

O renomado psicólogo John Gottman, no livro “A Inteligência Emocional e a Arte de Educar nossos Filhos” (editora Objetiva), distingue quatro estilos parentais. Isso não quer dizer que temos sempre o mesmo estilo, mas que um geralmente é preponderante. Descrevo abaixo cada um deles e seus possíveis impactos para os filhos.

O objetivo não é culpar os pais, porque eles também receberam essa educação de seus próprios pais. Quando vemos padrões que se repetem, eles se repetem no roteiro de um universo emocional limitante que vem de longe.

Quando observamos padrões de sofrimento em uma família, conseguimos detectar um roteiro de emoções limitantes que passam de geração para geração.

 

 

Pais simplistas

 O filho, lá pelos seus cinco anos, diverte-se com um brinquedo. O pai está vendo TV ao lado dele. De repente, o filho começa a chorar, lamentando que quebrou seu brinquedo.

O pai desvia os olhos da TV e, demonstrando não gostar muito daquela atitude por causa de um brinquedo, pergunta: 

– O que acontece?

– Quebrou meu brinquedo.

– Ah... Mas deixa isso pra lá. Que tal assistirmos a um desenho juntos? Vem!

– Mas eu queria brincar com meu brinquedo – insiste o menino, ainda chorando. Já meio irritado, o pai faz outra proposta:

– Bom, o que podemos fazer é... Hoje à tarde, vamos à loja comprar um brinquedo igualzinho a esse. O que você acha?

– Eu queria esse brinquedo... E antes de o filho terminar a frase, o pai interrompe, já demonstrando um pouco de nervosismo.

– Vem aqui! Vem, vem! Quer jogar no celular?

O que aconteceu aqui? O pai não sabe o que fazer, então minimiza a cena e os sentimentos do filho, desviando o foco para outro lugar ou substituindo um brinquedo por outro para que o menino acalme as emoções. 

O modelo de administrar as emoções que o pai simplista transmite é desconsiderá-las, minimizá-las, quase que desaprová-las e desviar o foco. 

Se o filho a leva adiante sistematicamente, também criará um modelo de administrar as emoções. Na adolescência, se ele sentir angústia, desapontamento e frustração com o fim de um rompimento afetivo, este jovem poderá não saber nem como se chama o que está sentindo e tentará desviar o foco: “vou jogar futebol com meus amigos”, “vou arranjar outra namorada”.

Inadequação e baixa autoestima também são comuns nesse tipo de administração das emoções. Quem é educado nesse modelo simplista, diante dos desafios da vida se sente sem recursos para enfrentá-los emocionalmente. 

O objetivo aqui não é culpar os pais, porque os pais receberam também essa educação de seus próprios pais. Sucessivamente.

Quando vemos padrões que se repetem, eles se repetem no roteiro de um universo transgeracional emocional limitante.

 

Pais desaprovadores

 Vamos pensar na mesma cena.

O menino chora porque quebrou o brinquedo. O pai observa e pergunta, com tom áspero: 

– O que foi?

– Quebrou meu brinquedo!

– E você está chorando por causa disso? Só por um brinquedo que se quebra?  Ah! Faça o favor!

– Mas eu queria brincar com meu brinquedo...

– Cala a boca de uma vez! Deixa esse brinquedo de lado. É assim, é? Chorar não leva pra lugar nenhum, menino. Que isso? O menino, acuado, começa a chorar novamente.

– Chega! Engole o choro!

 

Os pais desaprovadores são assim chamados porque desaprovam a emoção diretamente. O simplista considera a emoção, mas muda o foco. O desaprovador anula, censura, castra o mundo emocional do filho. Elas não são coisas do humano, muito menos dos homens, afinal “homens não choram”. 

Como vai se sentir essa criança quando for adolescente ou adulto? Pode ser que seja demitido no seu primeiro emprego, ou estágio, e vai considerar inadequadas emoções de tristeza e frustração. Além de perder o emprego, fica com a autoestima embaixo na terra. 

O que ela faz para sair desse lugar, se não tiver ajuda terapêutica ou um amigo com quem falar?  Ou vai achar que a gente tem que ser forte, levar muita porrada e continuar?

Essa reação mina o campo da autoestima. A pessoa pode evoluir muito intelectualmente, pode ser um excelente aluno, mas quando se trata de se relacionar, namorar, ter amizades, lidar com a vida, é incompetente emocionalmente. 

 

Pais laissez-faire



Imaginemos mais uma vez a cena do menino com o brinquedo quebrado.

– O que acontece? – o pai pergunta ao vê-lo chorar.

– Quebrou meu brinquedo.

O pai se comove e diz em tom também de lamento:

– Oh... Quebrou o brinquedo da criança... Oh, mãe! Vem aqui, quebrou o brinquedo do menino.

– É quebrou... – diz a criança, chorando.

O pai tenta consolar:

– É quebrou... Chora, né? Tem que chorar. Quebrou o brinquedo afinal.



O pai para por aí. Ao menos não anula as emoções, mas também não ajuda. Esse modelo de educar se chama laissez-faire (do francês, deixar acontecer). É um modelo permissivo, já que permite que a criança chore. Mas o que acontece com esse menino? Não sabe o que fazer com isso. E o pai, que seria o modelo de educador, não lhe oferece nenhuma possibilidade.

Quando essa criança se tornar adolescente e tiver a primeira ejaculação – ou a menina tiver a primeira menstruação – e se encontrar com a angústia de um corpo diferente do que era, vai falar com a mãe, com as amigas, com o terapeuta etc.

A solução é catártica, isto é, expressar o que sente, falar tudo o que acontece, mas ela não sabe que pode se apropriar daquilo e conduzir a um caminho de solução. A pessoa fala do problema, mas não quer uma solução porque não sabe que há solução. Falar sobre o que aconteceu é o modelo que ela tem de administrar as emoções.

 

Pai educador emocional

 Vamos à mesma criança que quebra o brinquedo.

– Quebrou meu brinquedo.

O pai dá uma pausa na TV, aproxima-se da criança e pergunta de novo:

– O que aconteceu?

Então ele se abaixa, colocando-se na mesma altura do filho, já criando um campo de empatia, comunicando com o corpo que o que aconteceu é significativo.

Não é algo para fazer de conta que não está acontecendo, para desaprovar ou para não fazer nada. Ele provoca intimidade. Não é apenas o brinquedo que está quebrado. No mundo interno, na alma do menino, algo se fissurou, se fraturou.

– Quebrou... – diz a criança, chorando.

– Seu brinquedo acabou de quebrar, e você está com raiva. Está com raiva porque você não queria que quebrasse. 

– É...

– E está triste porque você não vai ter ele inteiro de novo.

– Sim...

– Está muito angustiado porque acaba de se quebrar algo que você não sabe nem como lidar. 

O que está fazendo o pai? Está dando um vocabulário emocional, está dizendo “isso que aconteceu, acontece também na vida”. Emoções têm nome. Podemos simbolizar nossas emoções e elas não são do outro mundo. As emoções fazem parte da vida. Hoje está um dia lindo; amanhã, um vendaval, cidade alagada; daqui a quatro dias, novamente sai sol. Tudo isso é dito quando pai nomeia as emoções: “é tristeza, é angústia é raiva”. 

Essa criança, quando se torna adolescente e passa por um rompimento, pode dizer: “estou sentindo angústia, frustração, tristeza porque queria muito aquela pessoa”.Com a educação emocional, estamos formando um ser que vai se sentir mais empoderado no futuro. Voltando ao menino, o pai diz:

 



– O que você acha que podemos fazer? Porque tudo tem solução.

O filho começa a pensar...

O que o pai está dizendo? Todo distúrbio emocional tem solução. Há tristeza, raiva, mas tem solução. Qual solução damos a isso? E o pai não dá a solução. Ele pergunta. Quando pergunta, ele está dizendo: você pode! Está dando elementos para o menino enfrentar as situações, por mais difícil que a vida seja. Ele pode superar as dificuldades.

– Amarrar ou colar...

– Que legal, temos cola em casa!

O pai pode ajudar, porque o filho só tem cinco ou seis anos, mas deixa que ele tome a iniciativa.

– Parabéns, você colou o brinquedo!


Esse menino, quando adulto, ao ser demitido ou se separar da namorada, vai sentir o que tem que se sentir, o que precisa ser sentido, mas vai sentir dentro dele a mensagem “eu vou aprender com isso, tem solução e está em minhas mãos.”

Assim, estamos transformando também um padrão familiar. Se meus avós e pais foram desaprovadores, eu tenho em mim a chance de, com muito respeito ao que eles puderam dar, transformar-me em um educador emocional. Não quer dizer que eu não os ame; quer dizer que o faço também por meus filhos, por mim e por todos nós.



Mario Koziner - formou-se em psiquiatria pela Universidade de Buenos Aires (UBA) em 1985 e trabalha há 30 anos com workshops, palestras e cursos de formação nas áreas de Constelações Sistêmicas, da neurociência, dos novos paradigmas da ciência e da consciência. É autor dos livros “Ciclo de excelência do constelador: desenvolvendo habilidades essenciais para facilitar constelações sistêmicas” e “Da sombra à luz: Uma jornada de transformação pessoal” (lançamento em breve).


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