Pesquisar no Blog

quinta-feira, 28 de junho de 2018

Lei do bullying 2018 aumenta a responsabilidade das escolas


Legislativamente, o Brasil avançou muito pouco nos últimos anos no combate ao bullying escolar. Foram sancionadas três leis sobre o assunto: 13.185/15, 13.277/16 e 13.663/18. A primeira, especifica o que é bullying e cyberbullying no Brasil. Ela instituiu o programa de combate à intimidação sistemática, mas não prevê punições (cíveis ou criminais) pela sua prática e nem metas e prazos para ser implantada. Já a de 2016, estabeleceu o dia 07 de abril como o Dia Nacional de Combate ao Bullying no país.

A lei de 2018 altera a LDB (Lei de Diretrizes de Bases e Educação) para acrescentar em seu artigo 12, que os estabelecimentos de ensino terão a incumbência de promover medidas de conscientização, de prevenção e de combate a todos os tipos de violência, especialmente a intimidação sistemática, no âmbito das escolas e estabelecer ações destinadas a promover a cultura de paz nesses ambientes. Analisando isoladamente as três leis do bullying, podemos ter a falsa impressão que o assunto avançou muito pouco ou quase nada - o que não é totalmente errado.

Todavia, a Constituição Federal (proteção da dignidade da pessoa humana), o Código Civil (artigo 159) e o Código de Defesa do Consumidor (artigo 14) conjugados com as três leis acima, elevam o patamar da responsabilidade dos pais e das escolas, em especial, para um nível maior. A lei de 2018, a meu ver, é uma bomba nuclear, que repassa o que era encontrado na interpretação sistemática dos Códigos Civil/Consumidor e da Constituição Federal, para uma responsabilidade direta e muito maior, ao determinar, na própria LDB, que a escolas previnam e resolvam o problema.

Não havendo prazo para adotar as medidas das leis de 2015 e 2018, e, conjugando-as com as normas de proteção da Constituição, Código Civil e Código de Defesa do Consumidor, fica patente que a aplicação das mesmas é imediata. E o que se vê na prática? A grande maioria das escolas ainda não adotou nenhuma medida concreta ou, as que o fizeram, implantaram "medidas cosméticas" ou até "planos antibullying" frágeis, que não resistiriam a uma análise preliminar em caso de ajuizamento de uma ação de indenização por danos morais por uma vítima.

Ou seja, as escolas que não a adotarem poderão ser responsabilizadas financeiramente com maior intensidade a partir da lei do bullying de 2018. Se não forem adotadas medidas efetivas para prevenir e acabar com casos concretos em seu estabelecimento, as penalidades serão mais efetivas. Envolver os alunos, professores, funcionários administrativos, as famílias e a comunidade local é de suma importância para que resultados consistentes ao longo do tempo possam ser alcançados e mantidos.


Sobre o livro: Ao longo de mais de 10 anos atuando na defesa da infância e da juventude, o promotor de justiça Lélio Braga Calhau, que é graduado em Psicologia e Mestre em Direito do Estado e Cidadania pela UGF-RJ, se deparou com inúmeros casos de bullying. A vivência o inspirou a se aprofundar no assunto e o resultado é o livro “Bullying: o que você precisa saber”, que acaba de ser lançado pela editora Rodapé. Trata-se uma obra simples, direta e objetiva, sugerindo medidas para identificar, prevenir e combater o problema.

Segundo o autor, bullying é o ato de “desprezar, denegrir, violentar, agredir, destruir a estrutura psíquica de outra pessoa sem motivação alguma e de forma repetida”. E, cabe destacar que não se tratam de pequenas brincadeiras próprias da infância, as chamadas “microviolências”, mas sim de casos de violência física e/ou moral, muitas vezes velada.





Lélio Braga Calhau - Promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais, Mestre em Direito do Estado e Cidadania, e Graduado em Psicologia. É autor do livro “Bullying: o que você precisa saber”.



A insegurança jurídica sobre a presunção de inocência no STF

Embora o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello, relator das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) n.º 43 e 44, que pedem reconhecimento da norma do Código de Processo Penal que trata da presunção de inocência, desde de 23 de abril de 2018, tenha se declarado “habilitado a relatar e votar” o mérito, a ministra presidente da Suprema Corte, Cármen Lúcia, que tem a atribuição “escolher” a data para julgamento das ações, mas insiste, inexplicavelmente, em não levar a julgamento durante seu mandato.

O mandato da ministra encerrará em 11 de setembro e será sucedida pelo ministro Dias Toffoli. Enquanto isso, os jurisdicionados que se socorrem do Supremo assistem a uma verdadeira esquizofrenia jurídica em relação a possibilidade ou não do encarceramento cautelar do réu condenado em segunda instância. Estamos, inequivocamente, diante de um Supremo lotérico!

O ministro Ricardo Lewandowski – presidente da Segunda Turma da Corte, constatando a loteria instalada entre as  Turmas do STF, cobrou no último dia 26 de junho que o tribunal julgue em definitivo as ações declaratórias de constitucionalidade. A cobrança foi feita durante sessão da 2ª Turma, que julgou a Reclamação nº 30.245, em que foi concedida liminar para soltar o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu.

A cobrança realizada por Lewandowski está lastreada no bom senso e na primazia do princípio da segurança jurídica. Hodiernamente vivenciamos um momento de grande loteria em relação a prisão decorrente de condenação em segunda instância. Explico.

Na hipótese de alguma medida judicial – reclamação ou habeas corpus – for distribuída para segunda turma, composta pelos ministros Ricardo Lewandowski – presidente, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Edson Fachin, por maioria de votos, terá a ordem concedida e permanecerá em liberdade até o trânsito em julgado. Por outro lado, se der a má sorte de cair na Primeira Turma, composta pelos ministros Alexandre de Moraes – presidente, Marco Aurélio Mello, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber, permanecerá preso.

A “batalha” entre as turmas fez o Ministro Edson Fachin, antevendo a possibilidade de ver o ex-Presidente da República ser libertado, por pura vaidade, utilizando-se de uma manobra regimental, afetou o pedido de liberdade da defesa de Lula para o Plenário.

Cumpre destacar, que, inicialmente, Fachin encaminhou o pedido liberdade manejado por Lula para ser julgado pela Segunda Turma, o que resultou na inclusão na pauta do último dia 26 de junho. Mas no último dia 22 de junho, aproveitando a decisão da vice-presidência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que não admitiu o recurso extraordinário interposto por Lula ao Supremo Tribunal Federal, o ministro retirou de pauta, por entender que não havia questão constitucional no pedido, embora ele trate de liberdade. Uma aberração para dizer o menos!

Em verdade, a decisão do ministro, além de açodada e infeliz, demonstra a enorme ferida aberta pela resistência da presidente Carmen Lúcia em levar a julgamento. Não se pode esquecer que a decisão proferida pelo Plenário do STF, nas ADCs nº 43 e 44, é meramente liminar, portanto, provisória e reversível quando analisado o mérito. Senhora presidente Cármen Lúcia ponha um fim nessa aberrante dicotomia estabelecida entre as turma da Corte Máxima do País e restabeleça a segurança jurídica.






Marcelo Gurjão Silveira Aith - especialista em Direito Público e Criminal


Ilusões nacionalistas e morte de direitos


De todas as forças que se apropriam de um ser humano, a obsessão com o real parece ser a mais contraditória e angustiante. Sabina de Kundera (a pintora de A Insustentável Leveza do Ser) descobre esse princípio por meio do choque: uma pintura mais real que a realidade retratada pode ser partida por um fio de tinta e, subitamente, inaugura a impressão de que há, para além da tapeçaria do real, algo mais. Atrás da fissura há um mundo, pleno e contraditoriamente vazio, e tudo o mais não passa de um amontoado de ilusões e idealizações, das quais por vezes dependemos para sobreviver.

Assim surge a decisão do governo austríaco que determina o fechamento de sete mesquitas e a possível expulsão de quarenta imãs do país. Um olhar apressado pode fabricar um retrato de traços realistas e estabelecer rapidamente dois lados para o dilema. Um deles é o de um governo formado pela centro-direita e direita austríacas. A coligação foi eleita no período de maior resistência à imigração e prometeu tomar medidas de redução de fluxos de imigrantes para o país.

Do outro lado, vemos os adeptos do islamismo divididos. As mesquitas diretamente afetadas estão vinculadas a comunidades turcas de inclinação salafista (movimento sunita que agrega aos ensinamentos do Alcorão as observações de gerações subsequentes a Maomé). Ao mesmo tempo, grupos islâmicos parecem defender a decisão do governo austríaco, rejeitando solidariedade aos grupos afetados.

Não é possível negar o mal-estar.

No centro do problema, uma notícia circula há algumas semanas pelos periódicos austríacos, causando razoável polêmica: noticiou-se a encenação, por crianças turcas, da batalha de Gallipoli em mesquita salafista de Viena. Gallipoli foi uma das poucas vitórias decisivas da Turquia ao longo da 1ª Guerra Mundial. Atacados por britânicos e franceses, os nacionalistas turcos defenderam Constantinopla, garantindo a segurança da cidade. Durante a encenação, as crianças representavam soldados mortos em combate; caídos, eram envolvidos pela bandeira turca, em uma representação de evidente orgulho nacional.

Na ocasião, Sebastian Kurz se pronunciou ferozmente contra o evento, alegando sua natureza radical e seu interesse político. A microfísica das relações em choque começa a se revelar, mas não se encerra no evento em si. A mesquita em questão é local de congregação de um grupo conhecido pelo nome de Lobos Cinzentos. O grupo, fundado no final dos anos 60 na Turquia, tem claros interesses nacionalistas, sendo classificado como organização de extrema direita, xenofóbica e discriminatória ao extremo. Após os anos 90, os Lobos Cinzentos iniciaram uma campanha em nome dos interesses políticos de uma suposta Pan-Turquia, avançando para países estrangeiros com comunidades turcas islâmico-salafistas representativas. Um dos alvos foi evidentemente a Áustria.

A consequência direta foi, portanto, a medida radical tomada pelo governo austríaco, já inclinado (em virtude de seu próprio nacionalismo excessivo e atitudes discriminatórias) a desencorajar as correntes de imigração, notadamente aquelas taxadas de ‘eixos de formação terrorista’. No meio disso, os grupos muçulmanos não diretamente afetados não parecem compreender o precedente que começa a se formar. Propostas radicais por parte do governo poderão surgir no futuro, tendo alcance ainda mais amplo.

Não se pode esquecer que a legislação de 1998, aprovada com participação dos partidos componentes do atual governo, já impunha limitações veladas a práticas religiosas, classificando grupos religiosos em “sociedades”, “comunidades” e “seitas”, atribuindo-lhes diferentes graus de privilégios jurídicos (sociedades recebem suporte financeiro do governo austríaco, comunidades podem ter propriedade e seitas só existem juridicamente como associações comuns). A realidade se desnuda e se parte: mesmo que minha regulamentação garanta o seu direito, ela ataca suas prerrogativas limitando seus meios de ação. Sem que você perceba, eu o censuro e eu o discrimino.

A legislação de 2015, que afeta diretamente grupos islâmicos, agrava o problema, tanto por criar mais limitações quanto por torná-las mais específicas.

 Com a ação, uma política sutil de restrição de ingresso de culturas e religiões estrangeiras começa a se formar. Os grupos islâmicos que não se sentem afetados pela decisão permitem um aumento das políticas de repressão de um governo que avança para práticas autoritárias (respeitando os limites legais, mas sorrateiramente predando direitos). Para o governo austríaco, contudo, não agir representa um risco: os Lobos Cinzentos jogam com os argumentos de liberdade de expressão e prática religiosa para disfarçar posicionamentos políticos agressivos. O próprio governo Erdogan, que tem mostrado extremo autoritarismo na Turquia, reprovou a ação como demagógica e populista, e como uma agressão aos direitos de seus compatriotas turcos. Esse é o mesmo Erdogan responsável por excessos repressivos, ações irregulares contra cidadãos, restrição de direitos, islamização antidemocrática da Turquia, etc.

A obsessão com o real trouxe as massas ao momento presente. Tão obstinadas estão com suas próprias prerrogativas que idealizam o real e não percebem a pressão de grupos radicais para a formação de ordens autoritárias, violentas e antidemocráticas. Nesse caso, dois extremos lutam enquanto direitos são ignorados. Quem perde é a comunidade que anseia pela liberdade de culto com genuína fé e legítimas idiossincrasias. E, infelizmente, o cenário se repete, independentemente de países, idiomas e culturas.





Rafael Zanlorenzi - doutor em Direito e professor do curso de Direito da Universidade Positivo (UP).



Posts mais acessados