A escritora e ativista política Simone
de Beauvoir dizia que “basta uma crise política, econômica ou religiosa, para
que os direitos das mulheres sejam questionados”. Depois de muitos anos que
essa célebre frase foi dita pela primeira vez, pouca coisa mudou, já que as
vulnerabilidades em situações de crise seguem acontecendo e são resultado de
uma complexa intersecção de desigualdades, desafios econômicos e barreiras
culturais. A sociedade foi construída com políticas e práticas elaboradas
predominantemente por homens brancos que priorizam o seu benefício imediato, e
muitas vezes desconsideram as necessidades de outros grupos, o que fez com que
mulheres e crianças vivessem sempre à margem.
A tragédia que está acontecendo no Rio
Grande do Sul exemplifica como os desastres evidenciam e, inclusive, aumentam
as desigualdades sociais, perpetuando um ciclo de pobreza e vulnerabilidade
contínuo, especialmente em grupos marginalizados. Nos abrigos que visitamos,
observamos que, enquanto algumas pessoas eram ouvidas e atendidas em suas
necessidades e privilégios, outras — como mulheres negras e trans —, sofriam
negligências, enfrentando dificuldades até para acessar itens básicos, como shampoo
ou banheiro privativo. Essa falta de escuta ativa, atenta e empática por parte
de quem está ajudando, seja governo ou voluntários, alerta para o despreparo
com que lidamos com desafios sociais, principalmente em momentos de calamidade,
quando se trata de gênero e classe.
Outro exemplo claro foi o que vivemos
durante a pandemia de COVID-19, quando as mulheres foram as que mais deixaram
seus empregos, de acordo com dados divulgados em 2022 pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE). Elas frequentemente assumem a
responsabilidade principal pelo cuidado da família e, após as enchentes no Sul
do país, essa carga tende a aumentar devido à necessidade de cuidar de
crianças, idosos e doentes, além de reconstruir e limpar suas casas.
Assim como a exclusão feminina do
mercado de trabalho, com a justificativa de que elas engravidam, a crise
climática que estamos vivendo reflete um pensamento imediatista e a busca pelo
lucro a qualquer preço — o que faz com que, muitas vezes, as políticas sejam
elaboradas sem considerar a sustentabilidade a longo prazo. Um exemplo é a
licença paternidade, que oferece apenas cinco dias de abono pelo nascimento de
um filho ou filha, fomentando e perpetuando a sobrecarga sobre mães, e
ampliando as desigualdades de gênero.
A solidariedade do coletivo, tem se
tornado um grande impulso para aqueles que vão precisar recomeçar. As nações
precisam ver o futuro da humanidade como projeto social, sendo uma
responsabilidade coletiva que inclui famílias, agentes privados e públicos,
instituições e a comunidade, visando amparar as próximas gerações, além de
formar melhores cidadãos, eleitores e profissionais.
Passou da hora de reconhecermos o novo
momento mundial e entendermos que o cuidado, em todos os sentidos, é o melhor
caminho para prosperar. Isso começa na valorização do ser humano em detrimento
do lucro imediato, olhando principalmente para as necessidades de cada grupo.
Diante deste cenário, temos a oportunidade de refletirmos sobre os nossos
esforços e, dessa maneira, sairmos mais fortalecidos, com um olhar
empático e cuidadoso. Para isso, é fundamental que as políticas públicas
reconheçam as particularidades da sociedade, garantindo que ninguém seja
deixado para trás.
Luciana Cattony e Susana Sefidvash Zaman - fundadoras da Maternidade nas Empresas, consultoria especializada em equidade de gênero
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