Em artigo publicado na Nature
Medicine, grupo da Unicamp ressalta que as crianças dessa etnia estão
enfrentando os déficits nutricionais mais graves entre as populações indígenas
da América e alerta para as consequências de saúde no longo prazoEm 2022, 52,2% dos indivíduos menores de 5 anos
estavam desnutridos, um número muito acima da média global, de 29,1%
(foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)
Uma forte
denúncia sobre as condições de saúde da população infantil Yanomami foi publicada na revista Nature
Medicine por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp). O artigo, assinado por Thiago dos Reis Araujo, Ana Paula Davel e Everardo Magalhães Carneiro, revela que as crianças dessa etnia estão atualmente enfrentando os
déficits nutricionais mais graves entre as populações indígenas da América; que
aproximadamente 570 crianças morreram de fome nos últimos quatro anos; e que,
em 2022, 52,2% das crianças menores de 5 anos estavam desnutridas, um número
muito acima da média global, de 29,1%.
A Terra Yanomami é a maior
reserva indígena do Brasil. Em 2019, seu território sofreu aumentos
substanciais de mineração ilegal, incêndios e desmatamento, sem qualquer medida
efetiva de controle por parte do então governo federal. O conjunto de problemas
acumulados levou o atual governo a declarar uma crise de saúde pública na área.
“A ministra do Ministério dos Assuntos Indígenas no Brasil, Sônia Guajajara,
destacou que as ações para melhorar o estado nutricional da população Yanomami
são uma necessidade imediata. No entanto, a desnutrição, particularmente
durante a infância, pode resultar em consequências de saúde de longo prazo e
aumentar o risco de doenças na idade adulta. Esse risco persiste mesmo após a
reabilitação nutricional”, afirma Davel.
E Magalhães Carneiro explica:
“Pesquisadores da Universidade de Southampton, no Reino Unido, propuseram a
hipótese do ‘fenótipo poupador’. Esta afirma que indivíduos expostos à
desnutrição durante estágios críticos de desenvolvimento, como a vida
intrauterina, a lactação e a primeira infância, são suscetíveis à formação e
funcionamento prejudicados de vários órgãos, tornando-os mais vulneráveis a
desenvolver doenças na idade adulta”.
Tal hipótese foi corroborada
por dados da chamada “fome holandesa”, de 1944-1945. Nesse biênio, com os
Países Baixos invadidos por tropas da Alemanha nazista, 4,5 milhões de pessoas
sofreram de fome extrema. Os bebês nascidos durante o período ou pouco depois
exibiram menor peso ao nascer e menor tamanho corporal. E, quando alcançaram a
fase adulta, essas pessoas apresentaram propensão a vários problemas de saúde,
resultantes de deficiências nutricionais, e maior taxa de mortalidade.
“A desnutrição infantil provoca
várias modificações estruturais e funcionais, predispondo o futuro adulto a
maiores prevalências de obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares e
distúrbios cognitivos e de personalidade”, afirma Magalhães Carneiro. Essa
informação é muito importante, porque existe a falsa ideia de que, uma vez
identificado um quadro agudo de desnutrição, basta alimentar bem ou
superalimentar as pessoas afetadas para que tudo volte ao normal. “Ao
contrário, a reabilitação nutricional deve ser conduzida com muito cuidado,
porque os organismos não estão preparados para metabolizar grandes quantidades
de nutrientes”, prossegue o pesquisador.
Um agravante é que os danos
causados pela desnutrição crônica podem ser transmitidos de uma geração a
outra. Estudos realizados pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Manaus e no
Rio de Janeiro já mostraram que as crianças Yanomami têm alta prevalência de
nanismo associada à redução do tamanho materno.
O artigo afirma que “ações
estratégicas são urgentemente necessárias para antecipar e mitigar as
consequências de longo prazo da desnutrição para a saúde da população
Yanomami”. E conclama governos, universidades, institutos de pesquisa e
agências de financiamento a unificar esforços nesse sentido, lembrando que
“qualquer intervenção nutricional ou estratégia deve ser planejada e
culturalmente adaptada, bem como estendida a áreas e municípios próximos às
comunidades Yanomami”.
Além disso, ressalta que as
estratégias relativas à saúde da população Yanomami não podem ser desvinculadas
da proteção territorial; de uma forte gestão ambiental, com o controle da
mineração e da exploração de recursos naturais; e de compensações
socioambientais e políticas que protejam os direitos das terras indígenas.
Os três autores integram
o Centro de Pesquisa em Obesidade e
Comorbidades (OCRC) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP sediado
na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Magalhães Carneiro é um dos
pesquisadores principais da instituição e também coordena um Projeto Temático financiado pela FAPESP.
O artigo Life-long
health consequences of undernutrition in the Yanomami indigenous population in
Brazil pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41591-024-02991-y.
José Tadeu Arantes
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/cientistas-pedem-acoes-urgentes-para-enfrentamento-da-crise-nutricional-dos-yanomami/51930
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