Constatação foi feita por pesquisadores da USP com base em dados de 3.587 jovens entre 12 e 19 anos que participaram do inquérito nacional de saúde e nutrição dos Estados Unidos. Outro dado preocupante foi o aumento de 63% no risco de obesidade visceral – altamente associada a doenças metabólicas e cardiovasculares (foto: Pixabay)
Com base em dados de 3.587
adolescentes entre 12 e 19 anos que participaram do inquérito nacional de saúde
e nutrição dos Estados Unidos, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP)
calcularam o quanto o consumo de alimentos ultraprocessados impacta no risco de
obesidade.
No estudo,
os jovens foram divididos em três grupos de acordo com a quantidade ingerida
desses produtos. Ao comparar os que mais comiam ultraprocessados (em média 64%
do total de gramas da dieta) com aqueles que comiam menos (18,5% em média),
observou-se que os do primeiro grupo tinham 45% mais chance de obesidade, 52%
mais chance de obesidade abdominal (gordura localizada na barriga) e – o dado
mais preocupante – 63% mais chance de obesidade visceral (acúmulo de gordura
entre os órgãos), que está altamente relacionada com o desenvolvimento de
hipertensão, doença arterial coronariana, diabetes tipo 2, dislipidemia e
aumento do risco de mortalidade.
Os resultados completos da pesquisa,
apoiada pela FAPESP, foram divulgados no Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics.
“A evidência científica tornou-se
bastante sólida em relação ao papel negativo dos alimentos ultraprocessados na
pandemia de obesidade. Isso está muito bem demonstrado para os adultos. Entre
os jovens já havíamos constatado que o consumo desses produtos é elevado –
representando cerca de dois terços da dieta dos adolescentes norte-americanos
–, mas os resultados referentes à associação entre padrões alimentares baseados
em ultraprocessados e desfechos de saúde, entre eles a obesidade, eram escassos
e inconsistentes”, explica Daniela Neri,
primeira autora do artigo e integrante do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas
em Nutrição e Saúde (Nupens) da Faculdade de Saúde Pública da USP.
Contexto
Coordenada pelo professor Carlos Augusto Monteiro,
a equipe do Nupens foi pioneira em associar as mudanças no processamento
industrial de alimentos com a pandemia de obesidade, que teve início nos
Estados Unidos nos anos 1980 e, no século 21, atingiu a maioria dos países do
mundo. Com base nessa hipótese, o grupo desenvolveu uma classificação para os
alimentos, denominada NOVA, baseada no nível de
processamento industrial. O trabalho embasou as recomendações do Guia Alimentar para a População
Brasileira lançado em 2014, que recomenda
priorizar as preparações culinárias com alimentos in natura ou minimamente processados e evitar os
ultraprocessados – categoria que pode incluir desde refrigerantes,
bolachas recheadas e salgadinhos de pacote até mesmo um aparentemente inocente
pão de forma integral (leia mais em: agencia.fapesp.br/20820/).
“De modo
geral, os alimentos e bebidas ultraprocessados contêm aditivos químicos – como
corantes, aromatizantes, emulsificantes e espessantes – que buscam melhorar as
características sensoriais do produto. Muitos deles têm alta densidade
energética e teores elevados de açúcar e gordura, o que contribui diretamente
para o ganho de peso. Mas mesmo aqueles com baixas calorias, como o
refrigerante diet, podem favorecer o desenvolvimento de obesidade de formas que
vão além da composição nutricional. Por exemplo, interferindo na sinalização de
saciedade do organismo ou modificando a microbiota do intestino”, explica Neri.
Metodologia
Na
pesquisa recém-publicada, a dieta dos adolescentes foi avaliada por meio de uma
metodologia conhecida como Recordatório Alimentar de 24 horas, que consiste na
obtenção de informações sobre os tipos e as quantidades de todos os alimentos e
bebidas ingeridos no dia que antecede a entrevista, bem como os horários e os
locais de consumo das refeições. A maioria dos participantes incluídos na
análise (86%) passou por duas entrevistas do tipo, com um intervalo de duas
semanas entre elas.
Com base nesse
recordatório, os jovens foram divididos em três grupos. No primeiro estavam os
que consumiam até 29% dos gramas totais da dieta em ultraprocessados. No
segundo, aqueles para os quais esse percentual variou entre 29% e 47% e, no
último tercil, ficaram aqueles com valores acima de 48%.
Também
foram avaliados os dados antropométricos dos participantes, entre eles peso,
altura e circunferência da cintura. Esses índices foram avaliados para idade e
sexo, de acordo com o padrão de crescimento do Centro de Controle de Doenças
(CDC) dos Estados Unidos.
“O risco de obesidade total foi
estimado com base no IMC, que é calculado dividindo o peso [em quilos] pela
altura ao quadrado [em metros]. Já para avaliar a obesidade abdominal nos
baseamos na medida da circunferência abdominal. E um parâmetro menos conhecido,
que é o diâmetro abdominal sagital, foi usado como proxy [valor representativo] da obesidade
visceral”, conta Neri.
Como
explica a pesquisadora, o diâmetro abdominal sagital é uma forma indireta e não
invasiva de mensurar a quantidade de gordura entre os órgãos. “O indivíduo
deita na maca e, com uma espécie de régua [paquímetro], é aferida a distância
entre a parte inferior das costas até a região do umbigo, de modo que a gordura
subcutânea mais mole caia para os lados e a gordura visceral, mais rígida,
permaneça no local. Desse modo, evitam-se eventuais erros de medição que
poderiam ser causados por dobras na região da cintura.”
Todos os
dados avaliados na pesquisa da USP foram extraídos do National Health and
Nutrition Examination Survey (Nhanes) – o inquérito nacional de saúde e
nutrição realizado continuamente nos Estados Unidos. Trata-se de um banco
público de dados que abrange uma amostra nacionalmente representativa da
população dos Estados Unidos. No estudo, foram usadas informações coletadas
entre 2011 e 2016. Segundo Neri, as conclusões podem ser extrapoladas para os
jovens brasileiros, que também estão expostos desde cedo aos alimentos
ultraprocessados, ainda que em menor proporção.
“No Brasil
não há nenhum levantamento que forneça, ao mesmo tempo, informações sobre
consumo alimentar de adolescentes e dados antropométricos coletados em
avaliações presenciais. Esse tipo de inquério nutricional tem alto custo e
requer financiamento contínuo. No país há algumas iniciativas similares, porém,
mais simples”, comenta Neri.
No Vigitel, que
é o inquérito nacional conduzido anualmente pelo Ministério da Saúde para
monitorar fatores de risco e proteção para doenças crônicas, por exemplo, a
coleta de dados é feita por telefone e somente com pessoas acima de 18 anos. Os
dados mais recentes desse levantamento, divulgados em
janeiro deste ano pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS),
apontam que a taxa de obesidade na população adulta do Brasil passou de 11,8%
em 2006 para 21,5% em 2020, ou seja, praticamente dobrou.
Já a Pesquisa de Orçamentos
Familiares (POF) do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) traz dados sobre o
consumo alimentar de adolescentes e adultos no país, mas não contém informações
sobre o estado de saúde dos pesquisados.
Segundo a edição mais recente da POF,
feita entre 2017 e 2018, mais da metade (53,4%) das calorias consumidas pelos
brasileiros vêm dos alimentos in natura (verduras,
frutas, carnes, leite etc.) ou minimamente processados (grãos e farinhas, por
exemplo), 15,6% de ingredientes culinários processados (como sal, açúcar e
azeite), 11,3% de alimentos processados (queijos, pães artesanais, frutas e
legumes em conserva) e 19,7% de alimentos ultraprocessados. Entre os
adolescentes analisados na POF a proporção de ultraprocessados representa 27% do
total de calorias diárias, enquanto entre adultos com 60 anos ou mais esse
percentual é de 15,1%.
Comparações
Em outro estudo conduzido no Nupens
e divulgado na
revista Obesity Reviews, os pesquisadores compararam os dados
sobre o padrão alimentar dos adolescentes da POF 2017-2018 com informações
similares de outros sete países: Argentina, Austrália, Chile, Colômbia, México,
Estados Unidos e Reino Unido.
A participação dos ultraprocessados
na dieta dos jovens variou bastante entre as nações – sendo menor na Colômbia
(19% das calorias da dieta) e no Brasil (27%) e mais alta entre os britânicos
(68%) e norte-americanos (66%). Apesar da discrepância no consumo, o impacto na
qualidade da dieta foi muito parecido em todas as populações avaliadas, conta
Neri à Agência FAPESP.
“Nesse
estudo os jovens também foram divididos em grupos de acordo com o consumo de
ultraprocessados. E observamos que, à medida que aumenta a participação desses
produtos, há uma piora na qualidade da dieta, ou seja, cresce a densidade
energética e os teores de açúcar. Por outro lado, ocorre redução de fibras. O
efeito negativo é muito parecido em todos os países, independentemente da
proporção de ultraprocessados, da região ou da cultura.”
Embora o arroz com feijão ainda seja
a base da alimentação brasileira, ressalta a pesquisadora, um levantamento divulgado
no ano passado pelo Ministério da Saúde revelou que o consumo de
ultraprocessados é frequente no país até mesmo entre crianças com menos de 5
anos: mais de 80% dos indivíduos nessa faixa etária fazem uso regular.
“A ingestão desses produtos tira o
espaço do alimento in natura ou
minimamente processado em uma fase em que os hábitos alimentares estão sendo
formados”, alerta Neri. “Essa exposição de crianças e adolescentes a esses
alimentos obesogênicos representa uma verdadeira programação para problemas
futuros de saúde. É realmente preocupante.”
Para a
pesquisadora, controlar essa exposição é algo que está além da capacidade das
famílias, uma vez que seria necessário remodelar todo o sistema alimentar
atual.
“Além de conscientizar os
consumidores, é preciso agir em várias frentes por meio de políticas públicas.
Há diferentes estratégias possíveis, como restringir a publicidade,
principalmente para crianças, e aumentar a tributação desses produtos, ao mesmo
tempo em que se amplia o acesso aos alimentos in natura. Outra
medida fundamental diz respeito aos rótulos, que devem trazer informações mais
claras para guiar as escolhas alimentares dos consumidores”, avalia Neri.
Os estudos publicados pela equipe do
Nupens receberam financiamento da FAPESP por meio de cinco projetos (15/14900-9, 16/25853-4, 18/17972-9, 19/22278-7 e 16/14302-7).
O artigo Associations Between Ultra-processed Foods Consumption and Indicators
of Adiposity in US Adolescents: Cross-Sectional Analysis of the 2011-2016
National Health and Nutrition Examination Survey pode ser lido
em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S2212267222000338.
E o artigo Ultraprocessed food consumption and dietary nutrient profiles
associated with obesity: A multicountry study of children and adolescents está
disponível em: onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/obr.13387.
Karina Toledo
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/risco-de-obesidade-e-45-maior-entre-adolescentes-cuja-dieta-e-baseada-em-ultraprocessados/38105/
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