Durante a pandemia da
COVID-19 tem sido observado o aumento de vários comportamentos, alguns deles de
caráter compulsivos, tais como o maior consumo de álcool, tabaco e de comida
entre determinados segmentos da população. Há também evidência anedótica
proveniente, por exemplo, do site Pornhub que anunciam um aumento de
11.6% de consumo de material pornográfico comparado com um dia qualquer antes
da era COVID-19. No Brasil, o crescimento do consumo de pornografia durante a
pandemia parece ser da ordem de 13.1%. O perfil do público consumidor é formado principalmente por homens (cerca
de 70% dos usuários) e adultos jovens, com faixa etária abaixo de 34 anos.
A relação entre
consumo de pornografia e saúde mental permanece ainda muito controversa, pois
ora percebemos um viés moralizante ou um viés sensacionalista em algumas
publicações, enquanto existe a imensa necessidade de se ampliar as pesquisas
sobre o consumo de pornografia e seu real impacto na saúde mental.
Sabemos que os
consumidores de pornografia não realizam sua escolha de material pornográfico
de forma simplesmente aleatória, mas sim ligada aos seus comportamentos,
anseios, desejos e fantasias sexuais. No entanto, mesmo que tenham uma
percepção positiva em relação às práticas sexuais recriadas na pornografia,
estas não serão necessariamente integradas ao seu comportamento sexual na
prática. Isto quer dizer que alguns consumidores frequentes de materiais
pornográficos on line não vão necessariamente incorporar tais
experiências de atividades sexuais vividas no formato virtual em seu repertório
de práticas sexuais da vida real.
É muito provável que
alguns indivíduos possam a vir a desenvolver problemas com o consumo compulsivo
de pornografia, à semelhança de outras dependências químicas e comportamentais,
uma vez que o substrato neurobiológico é o mesmo centro de recompensa cerebral.
Uma possível explicação para o uso problemático de pornografia pode ser
postulada por meio de fatores não patológicos, como tendência por busca de
novas sensações prazerosas, aumento da libido e valores religiosos que
conflitam com desejos sexuais pessoais. A tendência de frequente exposição à
pornografia pode afetar a socialização sexual, principalmente do público jovem,
podendo inclusive influenciar a compreensão de que atitudes e alguns
comportamentos sexuais são aceitáveis, normativos e recompensadores. A auto
percepção do consumo de pornografia tem apontado para problemas de
relacionamento, maior número de parcerias sexuais e expectativas sexuais
irreais. Dentro deste cenário de prós e contras com relação a pornografia o que
se tem certeza é que pornografia não é um material destinado ao público
infantil; uma vez que esta prática é criminalizada e fere gravemente a
dignidade de crianças.
Sabemos também que em epidemias prévias os efeitos na saúde mental
foram mais duradouros que a própria epidemia. Assim, é possível que o consumo
de pornografia frequentemente iniciado como uma tentativa de
"automedicar" estados emocionais desagradáveis pode evoluir para um
uso problemático e até mesmo um possível quadro de dependência, isso também
pode estar acontecendo com o consumo de material pornográfico online. Daí a
importância de monitorar este comportamento durante a pandemia e do
pós-pandemia através de pesquisas científicas que visam melhor responder as
possíveis repercussões do consumo de pornografia e traçar futuras estratégias
preventivas e terapêuticas para aqueles que desenvolvem uma relação
problemática com o material pornográfico.
Alessandra Diehl - Psiquiatra, educadora sexual e
especialista em sexualidade humana.
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