Estudo mostra que a cidade de São Paulo abriga oito
agrupamentos urbanos distintos em termos econômicos, sociais e culturais, o que
dificulta o enfrentamento da pandemia (Foto: Paraisópolis, São Paulo/Vilar
Rodrigo/wikimedia commons)
Em uma megalópole complexa como São Paulo, com enormes desigualdades
econômicas, sociais e culturais, a definição de estratégias de ação e a
eficácia de medidas de combate à pandemia da COVID-19 constituem um formidável
desafio.
As diferenças que distinguem grupos sociais em uma cidade de mais de 12
milhões de habitantes ficam evidentes no estudo “Os padrões urbano-demográficos da
capital paulista”, produzido por Marcelo Nery, Altay de Souza e Sérgio Adorno.
A pesquisa, que teve apoio da FAPESP, foi realizada no âmbito do Núcleo de Estudos da Violência da
Universidade de São Paulo (NEV-USP), um dos
Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs)
financiados pela Fundação.
“Enfrentar a pandemia em São Paulo é algo extremamente desafiador devido
à heterogeneidade. Não existe um único corte, entre centro e periferia ou entre
ricos e pobres, mas uma situação muito mais complexa”, diz Adorno à Agência
FAPESP. Professor titular da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da USP, ele é o coordenador científico do NEV-USP.
Adorno cita como exemplo a alta concentração de pessoas em moradias
precárias (leia mais em http://agencia.fapesp.br/32874/).
“Por mais necessário que seja o confinamento, é muito difícil que ele seja
cumprido à risca nos agrupamentos urbanos onde predominam trabalhadores de
baixa renda e escolaridade, e elevada densidade demográfica por cômodo de
residência, o que dificulta o isolamento social. Além do mais, a maior parte
das pessoas passa o dia em atividades fora de casa, o que intensifica o contato
interpessoal. Grande parte dos trabalhadores informais depende de sair à rua
diariamente para se sustentar. A pandemia ressalta, de maneira dramática, toda
a escandalosa desigualdade social do país”, diz.
Agrupamentos urbanos distintos
O artigo publicado por Adorno e outros pesquisadores é parte de um
grande survey longitudinal (método de pesquisa que analisa a evolução
das mesmas variáveis nos mesmos grupos de indivíduos ao longo de um largo
período de tempo) iniciado em 2013.
A pesquisa identificou oito agrupamentos urbanos, muito diferentes uns
dos outros, que se constituíram ao longo do processo histórico de urbanização e
expansão da cidade. “Não são agrupamentos urbanos definidos por um recorte
espacial preciso, mas por 19 variáveis econômicas, sociais e culturais,
submetidas à análise fatorial”, explica Adorno.
Para identificar esse mosaico que compõe a cidade, o estudo levou em
conta dados habitacionais, populacionais e de condições sanitárias e de higiene
dos últimos quatro censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) (1980, 1991, 2000 e 2010), pesquisa origem destino do Metrô de São Paulo
de 2007, informações da prefeitura do município de São Paulo e da Empresa
Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplasa) para compor um conjunto de 19
indicadores sobre condições ambientais, habitacionais, sanitárias e de higiene,
mobilidade urbana, padrões criminais, perfil populacional, dados habitacionais,
entre outros.
A análise desses dados revelou uma São Paulo dividida em oito
agrupamentos. O grupo A se concentra na área central da cidade – inclui as
regiões da avenida Paulista e da avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini,
por exemplo –, tem bons índices de condições sanitárias e higiene, possui a
mais alta variação de domicílios particulares permanentes e a maior proporção
de verticalização, com alta proporção de chefes de família alfabetizados
(99,3%) e de alta renda (8,6%) e vários setores sem registro de homicídios
dolosos.
O grupo B, também localizado na região central, se assemelha ao grupo A
no que se refere às condições sanitárias e de higiene e de domicílios
particulares permanentes, mas tem maior proporção de domicílios improvisados,
baixa densidade demográfica e maior proporção de população masculina jovem.
Com reduzido número de aglomerados subnormais (ocupações irregulares) e
boas condições sanitárias e de higiene, também o grupo C se destaca pela grande
proporção de chefes de família alfabetizados (98,9%) e de alta renda
(5,5%). Já o grupo D, tem índice de verticalização baixo, baixa proporção de
domicílios com instalação sanitária e infraestrutura menos adequada, em
comparação aos grupos A, B e C.
O grupo E se caracteriza por aglomerados subnormais (25,5%), domicílios
improvisados e menor índice de chefes de família com renda alta. As análises
indicam que o grupo está entre os mais atingidos por migrações e demanda por
habitações nos anos 1950, registra saturação viária e formação de cortiços e
favelas.
Nos limites extremos da cidade, em zona de proteção aos mananciais e em
áreas de risco, a pesquisa identifica o grupo F, com baixa variação relativa do
crescimento populacional e de domicílios particulares permanentes.
O grupo G é resultado da urbanização desordenada e do processo de
favelização, caracterizando-se como área particularmente vulnerável, marcada
pela insegurança habitacional e má qualidade dos serviços públicos. Nas
“franjas da Serra da Cantareira”, nos subúrbios de São Paulo, a pesquisa
identificou o grupo H, instalado em área de risco, com os piores índices de
atendimento de água, esgoto e coleta de lixo, alta taxa de homicídios e
atividade agrícola consolidada.
“As análises descritas neste trabalho salientam com clareza o fato de
que o espaço urbano é heterogêneo”, afirmam os autores, sublinhando que a dicotomia
centro-periferia não dá conta de explicar a diversidade social, econômica e os
usos do tecido urbano da cidade de São Paulo.
Eles concluem que a “identificação do conjunto de padrões urbanos
coloca-se como estratégia para pesquisa e intervenções” e sublinham que esses
padrões “podem formar a base de uma administração pública melhor embasada na
estrutura do município, promovendo assim políticas públicas melhor
fundamentadas e efetivas”.
“O Estado está defasado em relação à dinâmica social. Mesmo em São
Paulo, a cidade mais desenvolvida do país, a divisão político-administrativa
não corresponde à cidade real. E beneficia uns em detrimento dos outros”,
conclui o Adorno.
José Tadeu Arantes
Agência FAPESP
http://agencia.fapesp.br/desigualdade-social-torna-o-combate-a-covid-19-ainda-mais-dificil/32969/
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