O mercado de consumo de
eletrônicos sempre é fortemente chacoalhado com novidades no começo do ano. São
inovações de todos os tipos, que fazem brilhar os olhos dos amantes por
lançamentos. Mas quais os reflexos disso ao consumidor? Em um primeiro momento:
uma onda de novos aparelhos eletrônicos, com tecnologias novas que incorporam
inteligência artificial, novos processadores ultrarrápidos, novos materiais e
novas telas, com inovação e serviços que atendem cada vez mais os anseios dos
consumidores.
Todavia, a enxurrada de
produtos lança dúvidas sobre o consumidor que, diante de tantas opções, não
consegue mais distinguir os produtos “mais novos” dos “mais antigos”, gerando
problemas, a médio prazo, de compatibilidade de aplicações ou mesmo
encurtamento artificial da vida útil dos lançamentos do ano anterior.
Por mais que os vendedores
mostrem os equipamentos eletrônicos com extensas explicações, não é qualquer
consumidor que tem condições de diferenciar os processadores com ou sem base de
grafeno, por exemplo, ou se os notebooks com tecnologia optane são mais
vantajosos.
Essa confusão faz com que o
consumidor adquira produtos antigos por preços muitas vezes mais elevados,
crendo estar levando produtos do ano, ou ainda adquira produtos mais caros com
tecnologia embarcada que não traz um efetivo diferencial no uso do dispositivo.
A tecnologia e os constantes
avanços acabam gerando dúvida ao consumidor na hora da compra, visto que ele
não tem informação suficiente sobre o produto que adquire, em uma aberta violação
ao artigo 6º, inciso III do Código de Defesa do Consumidor, no qual há previsão
legal para que a informação do produto ou serviço seja transmitida ao
consumidor de forma adequada e clara, com especificação correta de quantidade,
características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço.
Não se está diante de produtos
com vícios de qualidade ou quantidade, ou que causem dano ao consumidor, casos
dos artigos 12 a 17 ou 18 a 25 do Código de Defesa do Consumidor,
respectivamente. O que existe é um problema de desconhecimento do consumidor em
relação aos produtos, já que a rapidez e a quantidade de lançamentos estão cada
vez maiores, confundindo aqueles que não entendem as diferenças e/ou as
vantagens entre os aparelhos.
Outro ponto importante: a
tecnologia acabou por sepultar a distinção entre comprar um produto e comprar
um serviço. Hoje, produtos eletrônicos normalmente abarcam uma prestação de
serviço inerente. Por exemplo, na compra de celulares há uma licença aberta do
sistema Android ou IOS que permite ao smartphone funcionar, e esses softwares
demandam atualizações periódicas para seu funcionamento.
Aqui, um novo perigo espreita:
ao consumidor, não é informado por quanto tempo esses serviços embarcados
funcionarão. Alguns celulares, por exemplo, são adquiridos e nunca serão
atualizados. Outros são atualizados por até dois anos por suas fabricantes, mas
isso não é esclarecido ao consumidor, sendo comum no mercado da tecnologia que
as fabricantes “descontinuem” produtos que ainda estão sendo vendidos, sem
qualquer preocupação com órgãos reguladores ou os consumidores.
Os produtos adquiridos não
informam minimamente o tempo de atualização, como suas informações são
processadas e tratadas pelos dispositivos eletrônicos ou mesmo questões que
hoje estão em pauta com a Lei Geral de Proteção de dados (Lei nº 13.709/2018),
permanecendo totalmente fora da percepção do consumidor.
Essa barreira acaba gerando a
manutenção de um mercado de produtos eletrônicos que, cada vez mais, abusa do
uso de termos técnicos para informar o comprador, mas deixa de esclarecer
elementos essenciais do produto/serviço adquirido.
O que se observa, de fato, é
uma precarização do consumo eletrônico em um nível alarmante, majorando a
vulnerabilidade do consumidor sob seu aspecto tecnológico em uma proporção
inédita e pouco analisada devido a baixíssima percepção do consumidor médio.
Daí a razão para os fornecedores ainda não terem se ponderado de forma efetiva,
muito embora isso já deveria estar na pauta dos órgãos reguladores.
Lucas Morelli - Mestre em Direito Civil pela USP e
Coordenador do Contencioso Cível do escritório Bueno, Mesquita e Advogados
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