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sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Câncer de mama: prevenção e detecção precoce são indispensáveis



Mesmo com todas as informações e tratamentos disponíveis, a doença ainda leva à morte mais de 14 mil mulheres todos os anos

O câncer de mama é o tipo de câncer mais comum entre as mulheres no Brasil e no mundo. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), a doença fica atrás, apenas, do câncer de pele não melanoma, respondendo por cerca de 25% dos casos novos de câncer a cada ano. 

A incidência do câncer de mama antes dos 35 anos de idade é rara, mas aumenta progressivamente após esta idade, atingindo, na maioria dos casos, mulheres acima de 50 anos. Há vários tipos de câncer de mama, com diferentes evoluções e prognósticos. Em comum, todos eles têm mais chances de cura quando o diagnóstico é realizado precocemente. 

Segundo o INCA, até o final de 2016 serão quase 58 mil casos novos no Brasil e pouco mais de 14 mil mortes decorrentes da doença.

Diagnóstico
Hoje em dia, há diversos métodos para o rastreamento do câncer de mama; a mamografia é o principal deles. 

"Temos também o ultrassom como ferramenta importante para ajudar na detecção, principalmente em mulheres jovens e com mamas muito densas", revela a Dra. Leynalze Lins Ramos dos Santos, especialista em diagnóstico por imagem - ultrassonografia geral pelo Colégio Brasileiro de Radiologia e mestre em Radiologia Clínica pela Universidade Federal de São Paulo. 

A especialista explica que, com o passar da idade, o tecido glandular é substituído por gordura. A mamografia é indicada em pacientes com bastante gordura, enquanto nas mais jovens, com predominância de tecido glandular, o nódulo terá a mesma tonalidade do tecido glandular na mamografia, tornando-se mais difícil de visualizar. 

"Nestas pacientes mais jovens, a visualização de um possível nódulo torna-se mais fácil na ultrassonografia, pois a glândula aparece branca e o nódulo preto. As microcalcificações, estágio precoce do câncer de de mama, podem ser identificadas na mamografia."

Assim, em muitos casos poderá ser solicitado que a paciente realize os dois exames, que acabam se complementando. 

Segundo a Dra. Leynalze, outro exame que pode ser muito importante é a tomossíntese, especialmente em casos de mamas muito densas. O exame consegue realizar cortes nos locais onde há suspeita de nódulo, como se 'fatiasse o nódulo'. 

"Um estudo realizado na Ásia, no ano passado, associou a mamografia digital à tomossíntese e ultrassonografia e comparou os resultados aos da ressonância magnética, atualmente utilizada para fazer um planejamento cirúrgico. A combinação destes três exames não apenas aumentou a sensibilidade para a detecção do câncer de mama precoce, mas também representou uma redução de custo, visto que a ressonância é um método de diagnóstico muito caro."

Hereditariedade e prevenção
O câncer hereditário de mama ou ovário responde por 5 a 10% de todos os casos, afirma o Dr. Thomaz Gollop, Professor Associado de Ginecologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí. Por este motivo, é muito importante que se conheça a história destes casos familiar. 

Para estes casos, já estão disponíveis no Brasil - e incluídos no Rol de Procedimentos obrigatórios dos planos de saúde desde 2013 - exames genéticos para detecção de câncer de mama e ovário hereditários. 

"O estudo genético dos indivíduos em risco é indicado quando há risco genético definido em consulta de aconselhamento genético. Devem ser estudados pacientes acima de 18 anos."

Esta idade, explica o especialista, é estabelecida pois apenas maiores de idade devem entender como lidar com resultados que identifiquem eventuais genes que predisponham ao câncer herdado de mama/ovário. 

"Na prática, entretanto, estes exames são realizados em pacientes acima de 35 anos, quando, na maioria dos casos, já se encerrou o período reprodutivo."

Quando confirmada a predisposição por meio dos exames, há que ser discutida a possibilidade de cirurgias preventivas ou tratamento quimioterápico.

Foi esta confirmação que levou a atriz Angelina Jolie, em 2013, a optar pela mastectomia, cirurgia para a retirada das mamas e, em 2015, também os ovários. A notícia gerou muita polêmica.
"Acredito que críticas surgiram por parte de pessoas desinformadas. O risco estabelecido para ela, em função da presença de mutação e da historia familial era alto e ela decidiu pela melhor forma de preservação de sua saúde", conclui o Dr. Thomaz.

A mamografia
Em geral, a indicação é realizar o primeiro exame de mamografia até os 40 anos de idade, e após isso, se não houver nenhuma suspeita, repetir anualmente. No caso de mulheres com histórico de câncer familiar, especialmente em parentes próximos, como mãe, avós ou tias, a mamografia deve ser realizada 10 anos antes da idade em que o familiar teve a doença, e repeti-lo também anualmente, ao longo de toda a vida, ou conforme a orientação de um especialista. 

E para quem acha o exame desconfortável, dolorido, a Dra. Leynalze explica.
"Dói, mas é rápido. Quanto mais o profissional que estiver realizando o exame apertar o equipamento, menos sobreposição de tecidos glandulares haverá, melhorando a visualização. Além disso, quanto mais comprimida a mama estiver, menor quantidade de radiação será necessária."

Vale destacar que a mamografia, comparativamente com um raio-x, tem quantidade muito menor de radiação. Por este motivo, não oferece risco e pode realizada anualmente.

Evolução cirúrgica do tratamento
O americano William Halstead foi o primeiro médico cirurgião a padronizar o tratamento do câncer de mama, há mais de 100 anos. Na época, a primeira forma de se tratar a doença era por meio da retirada de toda a mama, incluindo glândula mamária, aréola, papila, gânglios axilares e também músculos peitorais. Este método era bastante agressivo, deixando a paciente com uma grande deformidade. 

Com o decorrer dos anos, explica o Dr. Arnaldo Urbano Ruiz,  titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões e médico cirurgião oncológico dos hospitais São José e São Joaquim da Real e Benemérita Beneficência Portuguesa de São Paulo, percebeu-se que nem sempre era necessária tamanha mutilação. 

"Nos anos 50, um cirurgião chamado David Patey aperfeiçoou a mastectomia de Halstead, passando a preservar o músculo peitoral maior, mas ainda retirando os gânglios embaixo do braço. Isso trouxe uma melhor qualidade de vida às pacientes."

A próxima grande inovação surgiu somente duas décadas mais tarde, quando o Dr. Umberto Veronesi, na Itália, inovou no tratamento cirúrgico do câncer de mama. O cirurgião comparou os resultados de pacientes submetidas à cirurgia tradicional da época a outras nas quais retirava-se apenas um pedaço da mama (chamada de quadrantectomia), associada à radioterapia. 

"Com os resultados dos dois grupos semelhantes, o novo tratamento, chamado conservador, passou a ser realizado em mulheres que, até então, estavam fadadas à retirada de toda a mama."

Já nos anos 80, o grande destaque foi o desenvolvimento da reconstrução mamária, tanto na mastectomia quanto na quadrantectomia, ou seja, a paciente não ficava com a sequela de uma mama muito disforme em relação a outra, ou ainda sem a mama.

"Além dos efeitos estéticos, estas mulheres poderiam desencadear problemas físicos, pois conforme o tamanho da mama perdida, o eixo do corpo era desviado, acarretando problemas na coluna." 

O próximo grande avanço foi a pesquisa do linfonodo sentinela, encabeçada pelo Dr. Armando Giuliano, nos Estados Unidos, e pelo Dr. Veronesi, na Itália. Ao perceber que grande parte dos linfonodos provenientes do esvaziamento axilar eram negativos, ou seja, poucas pacientes tinham linfonodos acometidos, foi desenvolvido o conceito de linfonodo sentinela, que é o primeiro linfonodo a receber células malignas oriundas de um câncer através da circulação linfática. 

"As condições do linfonodo sentinela indicam o estado dos demais linfonodos da região afetada. Assim, hoje, a pesquisa do linfonodo sentinela entrou no arsenal terapêutico e nos permite oferecer à paciente com câncer de mama uma cirurgia conservadora, preservando-se muitas vezes o complexo aréolo papilar, um quadrante ou mesmo uma mastectomia com reconstrução imediata, conforme cada caso."




O outro lado do Outubro Rosa



A campanha "Outubro Rosa" é talvez a mais conhecida dentre as campanhas de saúde desenvolvidas todos os anos em vários países do mundo. Tem como objetivo "alertar as mulheres e a sociedade sobre a importância da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer de mama[1], com sua origem nos Estados Unidos nos anos 90[2] e rapidamente chegando a outros países incluindo o Brasil, que teve a primeira campanha divulgada em 2002[3].

Em que pese a relevância epidemiológica do câncer de mama e o grande impacto que a mesma provoca na vida das mulheres atingidas pela doença, é importante avançarmos na discussão sobre a promoção do rastreamento populacional, especialmente a partir de dois aspectos: a) a fragilidade do rastreamento do câncer de mama enquanto estratégia de redução da morbimortalidade por câncer de mama, particularmente no Brasil; e b) a utilização da campanha como estratégia de marketing sem benefícios diretos à causa, e muitas vezes com danos à população.

A fragilidade do rastreamento do câncer de mama
O rastreamento consiste em "realização de testes ou exames diagnósticos em populações ou pessoas assintomáticas, com o objetivo de possibilitar o diagnóstico e tratamento oportunos, reduzindo assim a morbidade e mortalidade da doença rastreada"[4]. Para o câncer de mama, a estratégia recomendada pelo Ministério da Saúde no Brasil é a de oferecer a realização de mamografia a cada dois anos, mesmo reconhecendo que a evidência que sustenta esta recomendação é fraca, e que "os possíveis benefícios e danos provavelmente são semelhantes" para a faixa etária entre 50 e 59 anos e "os possíveis benefícios provavelmente superam os possíveis danos" apenas na população entre 60 e 69 anos. É necessário realizar 2000 mamografias em mulheres no público-alvo para que uma dessas mulheres tenha sua vida salva pelo rastreamento[5].

Além dos benefícios apenas discretos já antecipados pela análise das melhores evidências científicas disponíveis, esta recomendação não demonstra ao longo dos anos resultados que justifiquem sua manutenção no Brasil, pois não há redução verificada na mortalidade por câncer de mama na população; na verdade, a taxa de mortalidade pela doença tem aumentado[6], o que pode acontecer por melhora na qualidade da informação disponível e pelo aumento da expectativa de vida, entre outras causas. Uma das causas para o insucesso da estratégia brasileira pode residir nos problemas que o país enfrenta para estruturar seu programa de rastreio com base no que recomenda a Organização Mundial de Saúde[7], que incluem, entre outros requisitos, o acompanhamento e garantia de acesso a tratamento das mulheres que tenham rastreamento positivo. Não adianta identificar mulheres com mamografia alterada e não oferecer o acesso oportuno ao tratamento necessário.

Além de ter resultados questionáveis, a estratégia de rastreamento por mamografias também está associada a danos basicamente ligados ao sobrediagnóstico, ou seja, ao diagnóstico e tratamento de tumores que não produziriam dano. O sobrediagnóstico é definido como a detecção de uma anormalidade que não progrediria ao ponto de causar dano ao paciente, e por isso, seu tratamento seria desnecessário[8]. No caso do sobrediagnóstico do câncer de mama, temos danos que variam de danos psicológicos (ansiedade pelo resultado do exame e/ou pelo diagnóstico) até consequências dos procedimentos diagnósticos/terapêuticos (incluindo dor crônica, infecções, cirurgias desnecessárias e mutilações). Estima-se que para cada vida salva pela mamografia teremos 200 mulheres vitimadas por problemas relacionados ao sobrediagnóstico[9].

O Outubro Rosa como estratégia de marketing
Além dos problemas com a estratégia de rastreamento em si, o Outubro Rosa tem um efeito colateral: virou uma estratégia de negócios. Inúmeras empresas associam sua marca à campanha anualmente, lançando produtos ligados ao “laço rosa” de alguma maneira, supostamente se comprometendo a doar parte do valor arrecadado para a causa. À primeira vista parece uma boa ação, mas verifica-se que uma parte irrisória dos lucros é doada, quando o é, de forma que a “causa” mais beneficiada acaba sendo o lucro do empresário “benfeitor”. Em algumas situações a empresa “rosa” produz outros produtos que também estão ligados ao câncer de mama, mas como causa da doença, o que ajuda a demonstrar a hipocrisia da adesão à campanha. Esse processo é denominado “pinkwashing” (em tradução livre, “lavando com rosa”), e já foi fartamente documentado em livros, filmes (vale ver o canadense “Pink Ribbons, Inc.”, infelizmente não lançado em português mas disponível em inglês na internet), e principalmente por uma campanha chamada “Think before you pink” (“pense antes de ficar rosa”, em tradução livre), que tem website próprio e defende a análise crítica dos que usam o Outubro Rosa como estratégia de marketing, disponibilizando várias informações que facilitam essa análise.

Concluindo, é importante pensarmos em estratégias que permitam a redução da incidência do câncer de mama, o seu diagnóstico e tratamento oportunos e, por fim, a mortalidade associada à doença, mas parece que estamos seguindo um caminho que consome uma parcela importante dos recursos disponíveis (que já são escassos) sem trazer os benefícios esperados, e que pode estar trazendo malefícios enquanto ajuda alguns a lucrar às custas do processo. A decisão de se submeter a um exame que está associado a benefícios e malefícios deve ser de âmbito individual, tomada após pleno esclarecimento sobre o assunto. Infelizmente as percepções das mulheres parecem superestimar os benefícios associados à mamografia: um estudo realizado em 2003 identificou que a maioria das mulheres acredita que a mamografia pode evitar o câncer (não pode), que diminui a chance de tê-lo pela metade (quando a redução não chega a 20%) e que reduz a mortalidade pela doença em pelo menos 1% (não chega a 10% disso)[10],[11] . Campanhas populacionais devem discutir estes benefícios e maleficios, e não simplesmente induzir mulheres à realização de exames que podem não entregar o que prometem.




Rodrigo Lima - diretor de comunicação da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC)


Referências: 

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