Em idosos, a probabilidade de queda diminui sete vezes, segundo estudo da USP. O uso habitual de calçados mais rígidos ou tênis reforçados é o principal inimigo da saúde dos pés, afirmam os pesquisadores (alguns dos exercícios adotados no programa de treinamento; foto: acervo dos pesquisadores)
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O problema
é que, em um contexto urbano e cada vez mais artificial, muitas pessoas
deixaram de andar descalças. E, incentivadas pela propaganda, passaram a usar
calçados e tênis reforçados por uma parafernália de estruturas rígidas e
amortecedores.
“As estruturas todas dos pés acabam
se atrofiando com o uso reiterado desse tipo de calçado. É como se alguém
passasse a utilizar diariamente um colar cervical para prevenir o pescoço de
dores devido ao uso contínuo de telas. Em pouco tempo, a musculatura do pescoço
perderia massa, força e funcionalidade”, diz Isabel Sacco,
coordenadora do Laboratório de Biomecânica do Movimento e Postura Humana (Labimph) da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo (FM-USP).
Ela é coordenadora também do Projeto
Temático “Biomecânica e aspectos funcionais
do sistema musculoesquelético de corredores: efeito crônico de exercícios
terapêuticos e do envelhecimento”, apoiado pela FAPESP.
Dele participam pesquisadores da USP, da Universidade Federal do ABC (UFABC),
da Universidade de Amsterdã (Universiteit van Amsterdam, UvA), nos Países
Baixos, e do Instituto Ortopédico Rizzoli (Istituto Ortopedico Rizzoli, IOR),
na Itália.
“Temos publicado os resultados de
nossas pesquisas em periódicos internacionais especializados. Entre outros,
destaco o artigo Foot Core Training to Prevent Running-Related Injuries: A
Survival Analysis of a Single-Blind, Randomized Controlled Trial,
publicado em The American Journal of Sports Medicine.
Esse artigo foi produto de duas pesquisas de doutorado vinculadas ao nosso
Projeto Temático. E, nele, mostramos que um treinamento simples para os pés
reduziu em duas vezes e meia o risco de lesões em corredores recreacionais”,
informa Sacco.
Essa
questão das lesões é crítica, porque afeta tanto esportistas quanto pessoas
comuns. Como a corrida quase não exige qualquer tipo de equipamento, ela se tornou
uma modalidade de exercício físico altamente disseminada e democrática. Tem
gente de todo tipo correndo – o que é ótimo. O ruim é que a prevalência de
lesão é altíssima: até 79% dos corredores podem sofrer alguma lesão em um ano.
“A solução
não é parar de correr. Mas adotar medidas preventivas que reduzam ou ao menos
retardem o risco de lesão. Alongamento não funciona. É muito importante para a
manutenção da saúde do sistema musculoesquelético, mas não para prevenir lesão.
Orientação on-line e cartilhas para educar o corredor quanto a estratégias
preventivas para a corrida, ou ainda condicionamento físico específico, também
se mostraram ineficazes. Porque a lesão é multifatorial e não será um calçado
ou um aquecimento especial que resolverá esse problema”, afirma Sacco.
Segundo a
pesquisadora, o principal fator de risco para lesão é já ter sofrido alguma
lesão anterior. Isso porque o corpo se vê obrigado a fazer uma série de
compensações com o intuito de proteger a região lesionada e, assim, fica mais
vulnerável a novas lesões.
“O que
descobrimos em nossa pesquisa foi que a melhor defesa do corredor contra lesão
é melhorar a estrutura musculoesquelética dos pés para ganhar força e
funcionalidade. Trabalhamos com um contingente de 120 corredores recreacionais.
De forma aleatória, uma metade combinou a corrida com alongamentos, que foram
adotados como placebo. E a outra metade combinou a corrida com treinamento para
os pés. Depois de oito semanas, o ‘grupo treinamento’ teve uma redução de 2,42
vezes no número de lesões, comparativamente ao ‘grupo placebo’. Exames de
ressonância magnética mostraram que, de fato, as pessoas que receberam
treinamento tiveram um aumento de volume na musculatura dos pés”, relata Sacco.
Essa
melhoria da saúde dos pés não contribuiu apenas para diminuir a incidência de
lesão ou retardar sua eventual ocorrência. Modificou também a biomecânica da
corrida, com um aumento da capacidade de impulsão vertical.
“A estratégia de treinamento que
desenvolvemos, de baixo para cima [bottom-up], foi uma
mudança de paradigma na área da reabilitação e prevenção em corrida, em que as
várias escolas seguem tradicionalmente o caminho inverso [top-down], valorizando prioritariamente a musculatura
do tronco e dos quadris, e negligenciando a importância da extremidade mais
distal dos membros inferiores”, comenta Sacco.
A
pesquisadora acrescenta que o que é bom para as pessoas que se exercitam pode
ser melhor ainda para as pessoas sedentárias. “Já se sabe que um treinamento
para a musculatura dos pés, mais especificamente do hálux, o dedo maior pé, fez
diminuir em sete vezes o risco de queda em idosos”, diz.
O treinamento para os pés é simples e
pode ser feito em casa, com a ajuda de um software desenvolvido pelo próprio
Labimph. O link para acessar é https://soped.com.br/.
Além dos
exercícios específicos para os pés, a forma mais simples e natural de
fortalecer os pés é andar sem calçados sempre que possível. Uma alternativa,
para caminhar nas ruas ou mesmo dentro de casa nos dias frios, são os chamados
calçados minimalistas. Muito mais baratos, esses sapatos ou tênis leves,
denominados popularmente de “molecas”, deixam os pés menos imobilizados em seu
interior. “Em outro estudo de nosso grupo, já mostramos que pessoas que sentiam
dores nos joelhos por conta da osteoartrite apresentaram uma melhora de 62%
depois que passaram a usar molecas”, afirma Sacco.
O artigo Foot Core Training to Prevent Running-Related Injuries: A Survival
Analysis of a Single-Blind, Randomized Controlled Trial está
disponível em: http://dx.doi.org/10.1177/0363546520969205.
José Tadeu
Arantes
Agência
FAPESP
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