Trabalho desenvolvido pela docente procurou analisar impactos de programas sociais na vida de crianças e adolescentes
As desvantagens sociais, como pobreza,
moradia precária e evasão escolar, podem impactar diretamente a saúde mental de
crianças e adolescentes e Programas de Transferência de Renda podem minimizar
essa influência negativa, como revela uma pesquisa da professora da
Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), Cristiane Silvestre de Paula, feita
em parceria com diversas universidades estrangeiras, como a London School of
Economics and Political Science, da Inglaterra.
Cristiane e outros especialistas estudam, desde 2018, a dinâmica entre pobreza
e saúde mental em jovens, examinando o impacto de políticas de redução da
pobreza na saúde mental, nas oportunidades de vida visando entender o risco
futuro de pobreza em seis países em desenvolvimento. São três países da América
Latina (Brasil, México e Colômbia) e três da África (África do Sul, República
da Libéria e República do Malawi). O projeto é chamado Poverty reduction,
mental health and the chances of young people: understanding mechanisms through
analyses from 6 low- and middle-income countries ou CHANCES-6. No Brasil, a
pesquisa é feita em parceria com a professora da USP, Alicia Matijasevich.
"A infância e a juventude representam fases de importantes mudanças
sociais, emocionais e comportamentais, com desafios em diferentes aspectos da
vida, como educação, transformação nas relações pessoais e transição para o
trabalho", explica a professora mackenzista ao apontar a razão pela qual o
estudo foca nessa população.
De acordo com Cristiane, quando as famílias recebem uma renda básica, em algum
programa social, a tendência é que este dinheiro, ainda que mínimo, possa
provocar melhoria na saúde mental. "Programas de intervenção que ajudem
crianças e jovens a passarem por essa fase, podem alterar suas trajetórias,
melhorando suas oportunidades de vida a curto e a longo prazos, gerando
benefícios emocionais, sociais e econômicos". Os problemas de saúde mental
investigados são estresse psicológico, ansiedade, depressão, problemas de
comportamento e cognição.
Espera-se que a verba recebida pelas famílias possa as melhorar as
oportunidades de vida, como, por exemplo, proporcionar à aquisição de material
escolar, livros e cursos, levando a maior acesso e consequentemente melhando a
autoestima do usuários, além de contribuir para a compra de produtos básicos,
como de gênero alimentício, roupas e produtos de higiene.
Cristiane explica que os dados do CHANCES-6 são os primeiros do mundo a
articularem resultados de milhares de jovens de diferentes países, combinando
dados quantitativos com entrevistas em profundidade com jovens e suas famílias.
Um resultado preliminar interessante da pesquisa foi que se por um lado, o
cumprimento de algumas obrigações para o recebimento da renda básica
(condicionalidades) tem gerado melhoria nos índices de saúde, por outro, tem
gerado estresse nos usuários porque ‘o não cumprimento acarreta na perda do
benefício, que faz muita diferença na vida das famílias", explica a
mackenzista.
Com um artigo de revisão em prepare, a professora Cristiane afirma que no
Brasil, após o programa Bolsa Família, criado pelo Governo Federal em 2003, foi
bastante útil para a redução dos índices de pobreza e para melhorar a vida no
aspecto da saúde geral, como a melhora nutricional e redução de doenças infectocontagiosas.
No entanto, dados preliminaries (de um artigo submetido para publicacao em
fevereiro de 2021) revela que o programa nao chegou a promover a saúde mental
dos jovens.
"Os motivos estão sendo analisados no artigo e continuarão em análise, mas
um dos fatores parecer ser o baixo valor do benefício, que acaba sendo usado
para comprar gêneros alimentícios, o que não tem gerado retornos mais amplos,
como impacto na saúde mental e oportunidade de vida das crianças/jovens",
explica a docente.
Na Libéria, por exemplo, os dados indicam que receber terapia somada ao auxílio
financeiro reduzia e mantinha o efeito positivo na saúde mental e na queda de
violência perpetrada por jovens adultos do sexo masculino.
Por outro lado, a professora chama a atenção para possíveis desmontes na área
dos programas sociais, como por exemplo, a redução do número de famílias
atendidas, algo que aconteceu de 2017 a 2019, com retomada em 2020 mas que se
estabilizou desde então. "É bastante preocupante, considerando que o B
estava bem estabelecido em todas as regiões do país e vinha se expandindo desde
seu início", aponta ela.
Com o estudo em andamento, os pesquisadores aproveitaram para avaliar os
impactos dos programas financeiros aplicados durante o período de isolamento
social para contenção do coronavírus, como o Auxílio Emergencial, aqui no
Brasil que, em 2020, era quase sete vezes maior que o valor dado pelo Bolsa
Família.
"O Auxílio Emergencial sim, tem sido fundamental para as famílias,
principalmente para aquelas em extrema pobreza que vivem basicamente do Bolsa
Família. Digo isso, principalmente, porque o valor do Auxílio é muito
maior", aponta a professora.
No entanto, ela volta a lembrar que apenas pagar o valor não é suficiente para
melhorar as condições de saúde mental dos jovens. Para isso, são necessárias
ações feitas em conjunto com o pagamento dos benefícios.
Um artigo do CHANCES-6, publicado na Lancet Psychiatry em 2021, apresenta dados
preliminares do Brasil, Colômbia e África do Sul e aponta algumas medidas que
podem ajudar na melhoria da saúde mental de crianças e adolescentes em situaçao
de vulnerabilidade social, a partir dos programas de transferência de renda.
São cinco recomendações. Gostaria de destacar duas delas, sendo a primeira
sobre novas abordagens de identificar os jovens em situação de risco e que
podem desenvolver ou estar vivenciando problemas de saúde mental.
"Estruturas de bem-estar e proteção social estabelecidas podem ser usadas
para identificar estes jovens durante ou após a pandemia, sem a necessidade de
investir em procedimentos formais de avaliação de saúde mental", explica
Cristiane. Uma segunda proposta seria no sentido de facilitar o acesso a
informações existentes por meio de uso da tecnologia, como encaminhamento de mensagens
de textos e mídias sociais com informações sobre a covid-19 e medidas para
preservação da saúde mental.
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