Estudo coordenado por pesquisadores da Unicamp reforça necessidade de prevenção e acompanhamento para evitar o desenvolvimento de doença que afeta as gengivas (foto: Jenny Friedrichs/Pixabay) |
Pais com
periodontite transmitem para os filhos as bactérias que podem causar a doença
no futuro. E, mesmo com diferentes tratamentos nas crianças, esses microrganismos
permanecem na cavidade bucal. Isso reforça a necessidade de prevenção desde o
primeiro ano dos bebês para tentar evitar o desenvolvimento da doença. Essa é a
principal conclusão de um estudo conduzido na Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp) e publicado na Scientific Reports.
A
periodontite é uma inflamação que atinge o tecido entre os dentes e a mandíbula
(periodonto), infeccionando as gengivas que sangram e resultam em mau hálito.
Em casos graves, leva à perda óssea e de dentes. Se as bactérias ou
microrganismos que causam a doença chegarem à corrente sanguínea, também podem
desencadear outros tipos de inflamação no organismo. O tratamento vai desde a
limpeza do local feita por dentistas até o uso de anti-inflamatórios e
antibióticos.
"O
microbioma oral dos pais é um determinante da colonização microbiana
subgengival de seus filhos (...). Além disso, essa microbiota disbiótica
adquirida por crianças de pacientes com periodontite em uma idade precoce é
resiliente a mudanças, e a estrutura da comunidade é mantida mesmo após o
controle do estado de higiene", escrevem os pesquisadores na conclusão do
estudo Parents with periodontitis impact the subgingival colonization of
their offspring.
Segundo a
cirurgiã-dentista Mabelle de Freitas Monteiro,
primeira autora do artigo, a pesquisa é resultado de dez anos de trabalho do
grupo, que vem acompanhando pais com a doença e o impacto na saúde dos filhos.
“Trazendo
o estudo para o dia a dia dos consultórios, é possível dizer que ele ajuda a
traçar abordagens mais diretas. Isso porque se o cirurgião-dentista entender
que a doença periodontal pode afetar a família do paciente é possível trabalhar
a prevenção, com chance de diagnosticar precocemente a doença e reduzir
eventuais sequelas", afirma Monteiro, que recebeu apoio da FAPESP por meio
de dois projetos (16/03704-7 e 16/19970-8).
Renato Corrêa Viana Casarin, da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP-Unicamp), orientador da
pesquisa que também assina o artigo, reforça que os pais devem se preocupar com
a saúde gengival das crianças desde pequenas. "Com essa linha de pesquisa
inédita comparamos pais sem e com periodontite. Encontramos colonização das
bactérias muito precocemente nos filhos. Porém, ter a comunidade de bactérias 'herdada'
não significa que a criança, quando adulta, está fadada a desenvolver a doença.
Por isso, a importância de ficar atento aos mínimos sinais e procurar ajuda
especializada", diz Casarin.
No Brasil,
há poucos dados disponíveis sobre a saúde bucal da população. De acordo com o
último levantamento nacional feito pelo Ministério da Saúde, em 2010, 18% dos jovens de 12
anos nunca tinham ido ao dentista no país. Em relação à condição periodontal,
11,7% do total nesta faixa etária já tinha registrado sangramento. Entre os 15
e 19 anos, 13,6% não haviam passado por uma consulta com dentista. O estudo
epidemiológico seria atualizado no ano passado, mas por causa da pandemia de
COVID-19 teve as atividades temporariamente suspensas.
Em São
Paulo, a Secretaria Estadual da Saúde divulgou a última pesquisa bucal em 2019,
apontando, entre outros resultados, que dor de dente, sangramento na gengiva e
doença periodontal eram motivo de incômodo para 50,5% dos adultos entre 35 e 44
anos (leia mais em: agencia.fapesp.br/30015/).
Pesquisa
de campo
Para
realizar o estudo, os pesquisadores da FOP-Unicamp coletaram material de 18
pais com história de periodontite agressiva generalizada e de seus filhos, com
idade entre 6 e 12 anos, além de outros 18 pais periodontalmente saudáveis.
Foram
analisadas amostras de placas bacterianas e fluidos da gengiva desses
pacientes. Pesquisadores da Universidade Estadual de Ohio (Estados Unidos),
orientados pela professora Purnima Kumar, fizeram a avaliação microbiológica e
o sequenciamento genético dos diferentes tipos de bactérias encontradas.
“Filhos de
pais com periodontite foram colonizados por bactérias como Filifactor alocis, Porphyromonas gingivalis, Aggregatibacter actinomycetemcomitans, Streptococcus parasanguinis, Fusobacterium nucleatum e várias espécies pertencentes
ao gênero Selenomonas. Esses patógenos também
surgiram como discriminadores robustos das assinaturas microbianas de filhos de
pais com periodontite”, descreve o grupo no artigo.
À Agência FAPESP, Casarin explica que, mesmo tendo feito
controle de placa bacteriana e escovação intensa, os filhos de pais doentes
continuaram tendo as bactérias na cavidade bucal. Já no grupo de crianças com
pais saudáveis os efeitos da higiene bucal e da profilaxia foram mais
significativos.
“O fato de
os pais terem a doença periodontal faz com que os filhos assumam essa
comunidade com característica de doença. Essa criança vai carregar a informação
bacteriana para a fase adulta”, afirma Casarin.
O
professor da FOP-Unicamp diz que, quando se analisa a colonização das bactérias,
há uma relação de transmissão mais forte por parte da mãe. Agora, o grupo de
pesquisadores vai trabalhar com mulheres grávidas para tentar “quebrar o
ciclo”, ou seja, atuar com o objetivo de evitar que as bactérias colonizem a
cavidade bucal das crianças.
“Vamos
tratar as mães já durante a gravidez, antes de as crianças nascerem, para
analisar se é possível impedir que a colonização das bactérias ocorra”, diz
ele, lembrando que os estudos com pacientes só serão retomados quando houver
condição em decorrência da pandemia.
Reconhecimento
A linha de
pesquisa coordenada por Casarin para estudar a periodontite recebeu prêmios
nacionais e internacionais. Em 2019, Monteiro conquistou o primeiro lugar na
categoria pesquisa clínica do Prêmio Hatton na International Association for
Dental Research (IADR).
O encontro
promovido pela IADR é considerado o maior congresso de odontologia do mundo e a
competição tem o objetivo de promover os melhores jovens pesquisadores na área
(leia mais em: https://www.fop.unicamp.br/index.php/pt-br/doi-odontopediatria/2352.html).
Anos
antes, o grupo já havia recebido o prêmio de melhor estudo de impacto clínico
concedido pela Academia Americana de Periodontia.
O
artigo Parents with periodontitis impact the subgingival colonization of
their offspring está disponível em www.nature.com/articles/s41598-020-80372-4#Abs1.
Luciana
Constantino
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/bacterias-que-provocam-periodontite-sao-transmitidas-de-pais-para-filhos/35427/
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