Pesquisadores do Centro de Energia
Nuclear na Agricultura (Cena) e da Escola Superior de Agricultura Luiz de
Queiroz (Esalq), ambos da Universidade de São Paulo (USP), desenvolveram uma
metodologia baseada em inteligência artificial que permite automatizar e tornar
mais eficiente o processo de análise da qualidade de sementes – que é exigido
por lei e, atualmente, feito de forma manual por analistas credenciados pelo
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
O grupo
empregou tecnologias baseadas em luz – já usadas em análise de plantas e em
áreas como a cosmética – para a aquisição de imagens das sementes. Em seguida,
recorreu a técnicas de aprendizagem de máquina para automatizar o processo
de interpretação das imagens. Desse modo, foi possível minimizar algumas das
dificuldades encontradas nos processos tradicionais. Por exemplo, para muitas
espécies, a nova tecnologia pode ser aplicada a todo o lote de sementes e não
apenas a amostras, como se faz hoje. Além disso, por não ser invasiva, evita
destruir os produtos avaliados e gerar resíduos.
Na
pesquisa, os cientistas usaram duas tecnologias baseadas em luz para obtenção
das imagens, a fluorescência de clorofila e a reflectância multiespectral,
utilizando como modelo sementes de tomate e de cenoura produzidas em diferentes
países e épocas e submetidas a condições distintas de armazenagem. No caso do
tomate, foram utilizados os cultivares comerciais Gaúcho e Tyna, produzidos no
Brasil e nos Estados Unidos. Para a cenoura, foram escolhidos os cultivares
Brasília e Francine, produzidos no Brasil, Itália e Chile.
A escolha
se baseou na importância econômica desses alimentos, cuja demanda já é grande
em todo o mundo e segue em expansão, além das dificuldades que os produtores
encontram na colheita das sementes. Como esses cultivos não apresentam
uniformidade no processo de maturação dos frutos, e consequentemente das
sementes, os produtores precisam fazer a colheita em parcelas, o que é muito
oneroso. Entretanto, ainda existe uma grande dificuldade na obtenção de lotes
uniformes, pois a presença de sementes imaturas não é facilmente detectada por
métodos visuais. As técnicas baseadas em visão de máquina podem minimizar esse
problema.
Os
pesquisadores compararam os resultados obtidos nas análises não destrutivas com
os das avaliações aplicadas às sementes pelos métodos tradicionais: o teste de
germinação, obrigatório por lei, e o de vigor. No primeiro, analistas separam
amostras de sementes, as colocam para germinar em condição favorável de
temperatura, água e oxigênio e verificam a quantidade final de plântulas, ou
plantas jovens, normais, produzidas de acordo com as regras estabelecidas pelo
Mapa. Já os testes de vigor são complementares e mais sofisticados. Os mais
comuns se baseiam na resposta da semente a condições de estresse e parâmetros
de crescimento das plântulas.
Além das dificuldades já citadas, os
métodos tradicionais são mais demorados. No caso do tomate e da cenoura, por exemplo,
pode levar até duas semanas para obtenção dos resultados. Além disso, a análise
é bastante subjetiva, pois depende da interpretação de cada analista. “Nossa
proposta é automatizar ao máximo o processo, usando fluorescência de clorofila
e imagens multiespectrais para analisar a qualidade das sementes, superando
esses gargalos”, destaca Clíssia Barboza da Silva,
pesquisadora do Cena-USP e uma das autoras do artigo Integrating Optical Imaging Tools for Rapid and Non-invasive
Characterization of Seed Quality: Tomato (Solanum lycopersicum L.) and Carrot
(Daucus carota L.) as Study Cases, publicado na Frontiers in Plant Science, um dos principais
periódicos científicos internacionais na área da agricultura. Ela também é a
pesquisadora responsável pelo projeto, apoiado pela
FAPESP.
A autora principal do artigo é Patrícia Galletti,
que desenvolveu a pesquisa durante seu mestrado e recebeu, em 2019, o prêmio
Best Poster Award no 7º Congresso de Sementes das Américas, quando
apresentou resultados parciais do projeto (leia mais em: agencia.fapesp.br/32094/).
Clorofila como marcador de qualidade
A
clorofila está presente na semente, onde ajuda a fornecer energia para o
armazenamento de nutrientes (lipídios, proteínas e carboidratos) importantes
para o desenvolvimento. Cumprida essa função, a clorofila se degrada. “Porém,
quando a semente não completa o processo de maturação, resta clorofila não
degradada em seu interior. Quanto menos clorofila residual, mais avançada a
semente está no processo de maturação, mais nutrientes ela tem e maior a
qualidade. Se há muita clorofila, ocorre o inverso: a semente ainda está
imatura e tem menor qualidade”, relata.
Como
explica a pesquisadora, a clorofila é altamente fluorescente, ou seja, ela tem
capacidade de emitir luz quando exposta a radiações com comprimentos de onda
específicos. Isso ocorre porque a energia proveniente da luz que incide na
amostra de sementes não é totalmente aproveitada, sendo uma parte perdida por
fluorescência. O uso de luz nos comprimentos de onda da faixa do vermelho é
eficiente na promoção da excitação da clorofila, que se torna fluorescente.
Essa luz que "sobra" é, então, capturada pelo equipamento, que a
converte num sinal elétrico e gera uma imagem cujos pixels em tons de cinza
variam do branco para o preto. Os tons mais brancos indicam que as sementes
possuem maior quantidade de clorofila, que emitiu fluorescência ao ser
submetida à luz vermelha. Isso significa que mais imatura ela está e a chance
dessa semente não germinar é consideravelmente maior.
Inteligência artificial
A outra
tecnologia para a qual os pesquisadores desenvolveram uma metodologia aplicável
à análise da qualidade de sementes é a reflectância multiespectral. Os
LEDs do equipamento emitem luz em comprimentos de onda na faixa visível e
não visível ao olho humano (ultravioleta e infravermelho próximo). Para a
pesquisa com reflectância visando a análise de qualidade, os cientistas
utilizaram 19 comprimentos de onda. Quando comparado com os dados de avaliação
de qualidade feitos por métodos tradicionais, observaram que os melhores
resultados foram obtidos com o infravermelho próximo no caso das sementes de
cenoura e com o ultravioleta para as de tomate.
As
sementes têm proteínas, lipídios e açúcares que absorvem parte da luz emitida
pelos LEDs e refletem outra parte. A luz refletida é capturada pelo
equipamento, que registra a imagem. Esta passará por uma segmentação, que
consiste na separação das sementes do suporte onde estão posicionadas no
equipamento. Nesta técnica, o suporte se transforma em pixels de valor zero e
tem a cor preta e a imagem da semente é gerada em escala de cinza. O valor dos
pixels que compõem uma semente está relacionado com a sua composição
química. “Não trabalhamos apenas com um resultado médio da amostra, conseguimos
fazer a extração individualizada, de cada semente”, destaca a pesquisadora.
“Quanto
maior a concentração de um determinado nutriente na semente, menos vai ser
refletido em um comprimento de onda específico, porque ela terá mais desse
nutriente absorvendo aquela luz. Quando ela tem menos nutrientes, significa que
existem menos moléculas para absorver a luz, então a reflectância vai ser
maior, mas isso irá variar de acordo com o componente presente, que apresenta
um comportamento distinto conforme o comprimento de onda utilizado”, explica.
Um algoritmo consegue identificar o comprimento de onda que obtém o melhor
resultado. O processo oferece informações sobre a composição química da
semente, o que permite inferir se ela é de alta ou baixa qualidade.
Na
avaliação dos pesquisadores, chegar à etapa de obtenção das imagens não era o
suficiente, pois isso ainda é uma operação que requer a observação humana.
“Então utilizamos a quimiometria, um conjunto de métodos estatísticos
empregados para a classificação de materiais de origem química. A ideia era que
o equipamento nos oferecesse a classificação da qualidade com base na imagem
que ele mesmo registrou”, conta. Os métodos aplicados pelos cientistas nesse
estudo são muito usados na área médica e de alimentos.
Eles
usaram, então, a aprendizagem de máquina para testar os modelos que criaram com
base nos métodos quimiométricos. “Ensinamos para o modelo o que é semente de
alta e baixa qualidade. Pegamos 70% dos nossos dados para treinar o modelo e os
30% que ficaram de fora serviram para a validação”, comenta. Para o tomate, a
identificação correta da qualidade das sementes variou de 86% a 95%. Para a
cenoura, de 88% a 97%.
Além do
alto nível de acerto, os pesquisadores destacam que ambas as tecnologias
agilizam a execução de análises porque é possível capturar as imagens muito
rapidamente. No equipamento de fluorescência de clorofila, o tempo de captura
de imagem é de um segundo. São cinco segundos para capturar 19 imagens no
equipamento com tecnologia multiespectral.
Resultados inesperados
Durante o
desenvolvimento do projeto, um achado inesperado se mostrou muito relevante. As
tecnologias de fluorescência de clorofila e multiespectral também são úteis
para o processo de separação de cultivares. Trata-se de uma operação essencial
para avaliar um lote de sementes e evitar prejuízos econômicos. “O produtor
pode comprar um lote de sementes esperando que as plantas apresentem um
determinado desempenho, mas, se as sementes com características genéticas
diferentes não forem bem separadas, a produção será impactada”, esclarece.
Atualmente, isso é feito por analistas bem treinados para verificar padrões que
podem ser usados para fazer a separação (cor, forma e tamanho da semente e,
quando possível, marcadores moleculares).
Para a
cenoura, ambas as tecnologias usadas na pesquisa se revelaram eficazes na
separação de cultivares. Já para o tomate, a tecnologia multiespectral não
funcionou bem, enquanto a fluorescência apresentou boa eficácia. “Nosso estudo
traz resultados inéditos com relação ao uso dessa tecnologia para separação de
cultivares. Não encontramos registro de pesquisas que tenham utilizado a
fluorescência com essa finalidade”, comemora. “Já em relação à reflectância,
existem alguns trabalhos que mostram que ela é eficiente para fazer a separação
de cultivares, mas não com o equipamento que utilizamos”, prossegue.
Uso compartilhado
Para
Barboza da Silva, uma forma de transferir o conhecimento produzido na pesquisa
para o setor produtivo é ter empresas desenvolvendo os equipamentos para serem
vendidos aos produtores de sementes. “Seria possível, com os resultados da
nossa pesquisa, desenvolver um equipamento que use somente luz ultravioleta
para caracterizar a qualidade da semente de tomate e lançar no mercado, por
exemplo.”
Os três equipamentos utilizados no
estudo estão hoje disponíveis a pesquisadores de outras instituições no
Cena-USP, por meio do sistema multiusuários. O de fluorescência foi criado
especificamente para essa pesquisa. A fabricante detém tecnologia para análise
de planta e customizou o equipamento para fazer a análise de semente. Mais
informações em: www.cena.usp.br/pesquisa/emu/multiusuario7.
Para solicitar a utilização do
equipamento de análise multiespectral acesse: www.cena.usp.br/pesquisa/emu/multiusuario8.
Os pesquisadores também adquiriram um
equipamento de radiografia para poder observar o interior das sementes e
confirmar a presença ou não, bem como a extensão, de tecidos especializados no
armazenamento de nutrientes. Esse equipamento pode ser reservado pelo
endereço www.cena.usp.br/pesquisa/emu/multiusuario9.
O estudo também contou com apoio da FAPESP por meio dos projetos: 18/03802-4, 18/03793-5, 18/01774-3, 18/24777-8 e 18/03807-6.
Janaína
Simões
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/tecnica-baseada-em-inteligencia-artificial-permite-automatizar-a-analise-de-sementes-para-uso-agricola/35224/
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