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segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Reforma Tributária

Apresentado no último dia 21 de julho como a primeira de uma série de etapas na reforma tributária desejada pelo Governo Federal, o PL 3887/2020, sob a justificativa – amplamente propagandeada – de diminuir a “elevada complexidade da legislação” tributária nacional, unifica o PIS e a COFINS, instituindo a chamada “Contribuição sobre Bens e Serviços”, uma “contribuição sobre o valor adicionado”. Segundo as justificativas que acompanham o PL, a CBS não visaria a aumentar a carga tributária do empresariado, mas sim criar uma “tributação homogênea” e que supere “a controversa tributação incidente sobre a receita total” dos regimes de PIS e COFINS cumulativos.

De modo geral, o novo tributo será exigível à alíquota – supostamente única – de 12% sobre a receita decorrente de faturamento empresarial, descontados créditos vinculados à atividade empresarial de venda de bens e de prestação de serviços e de eventuais outros tributos já pagos, desde que destacados em nota fiscal. De pronto já é verificado que as justificativas apresentadas, a nosso ver, não correspondem aos dispositivos da CBS.

Primeiro, porque há um evidente aumento da alíquota. Regra geral, a tributação pelo PIS/COFINS atual corresponde a alíquotas de 3,65% no regime cumulativo e 9,25% no regime não cumulativo. Evidente que a instituição de alíquota de 12%, causa sim um aumento na carga tributária que não é ilidida pelas supostas premissas de tributação homogênea e creditamento amplo que deram base ao cálculo da alíquota, especialmente no setor de serviços.

A título de exemplo, pode-se mencionar o setor da advocacia, que geralmente é tributado pela alíquota do regime cumulativo do PIS/COFINS (3,65%); ora, elevar a contribuição para 12% da receita é mais do que triplicar a alíquota, sem nenhuma contrapartida efetiva, afinal, os serviços prestados por sociedades de advogado não têm créditos relevantes para dedução. Ou seja, o que se verá é, na realidade, uma alíquota aumentada em 8,35 pontos percentuais, que continuará a ser calculada pela base de cálculo praticamente equivalente.

Confrontados por representantes do setor, os assessores do Ministério da Economia vêm se saindo com evasivas, dizendo-se que a CBS será benéfica por trazer a possibilidade de creditamento amplo, mas fingindo não ver que o maior custo desse tipo de serviço é a mão de obra, que simplesmente não é passível de creditamento no regime da CBS proposto pelo Governo.

Ademais, as alegações de que a majoração da alíquota não traria grandes problemas porque a maioria das empresas de serviços estão no Simples Nacional, além de deixarem ao desamparo uma enorme massa de entidades que não se encontram nessa situação, parecem decididas a fomentar um movimento similar ao da “pejotização”, em que as empresas ver-se-ão obrigadas a dividir-se em várias outras, menores, com vistas a atender os requisitos do Simples Nacional, mesmo que à custa de perda de competitividade

Isso sem levar em consideração que este aumento da carga tributária será evidentemente repassado ao tomador do serviço. Afirmar que hoje o preço do serviço é mais alto “porque está embutido um tributo invisível”, como fez a assessora especial do Ministro da Economia, Vanessa Rahal Canado, no webinar “IVA em países federativos: a experiência canadense”[1], é faltar com a verdade. Tanto prestadores como tomadores de serviços sairão perdendo – e muito – se aprovada a reforma nesses moldes

Também é curioso observar que, no mesmo passo que as justificativas apresentadas aludem a uma suposta defesa da homogeneidade de tributação, elencam diversos regimes diferenciados para tributação do CBS, como, por exemplo, (i) a alíquota especial de 5,8% para instituições financeiras e outras empresas afins, com manutenção no regime cumulativo, (ii) a incidência monofásica da CBS nos produtos relacionados a combustíveis e cigarros, e (iii) a isenção concedida à venda de equipamentos e prestação de serviços à Itaipu Binacional.

Não se questiona, aqui, especificamente, a necessidade ou não desses regimes diferenciados, embora não se possa deixar de notar que foram concedidos apenas a setores com forte atuação de lobistas. O que se questiona, aqui, é a própria existência de regimes diferenciados, quando os objetivos basilares da reforma eram justamente a simplificação e homogeneização do sistema tributário. Alegar que o regime cumulativo é “controverso” e deve ser extinto, e mantê-lo para as instituições financeiras, parece-nos de todo contraditório.

Finalmente, não se pode visar a uma melhora no sistema tributário de bens e serviços apenas no viés Federal. A Constituição, ao dividir a competência dos tributos, acabou por conceder a tributação da circulação de mercadorias aos Estados, e da prestação de serviços aos Municípios. Pretender a reforma do sistema sem abranger o ICMS e o ISS é realizar o trabalho pela metade, mantendo os problemas que a exposição de motivos se esforça para fundamentar como norteadores da nova legislação.

Não se trata aqui de crítica da intenção da lei. Não há uma única pessoa que vá preferir a atual complexidade do sistema tributário nacional. A exposição de motivos cita a extensão do regramento do PIS e COFINS como uma das justificativas – o que é certamente irônico, ver o Poder Público criticar a legislação por ele mesmo redigida –, e evidentemente a supressão de duas mil páginas de legislação esparsa contribuirá para a redução do Custo Brasil e aumento na segurança jurídica.

É importante ressaltar que o relatório “Contencioso Tributário no Brasil – Relatório 2019 – Ano de referência 2018”, realizado pelo INSPER, aponta que as discussões questionando aspectos do PIS e COFINS representam 21% do contencioso tributário judicial e 18% do contencioso administrativo. Contencioso tributário esse que, se analisado na sua totalidade, atinge valores equivalentes a 73% do PIB nacional. A necessidade de reformar o sistema é evidente, e a extinção do PIS e COFINS certamente reduzirá tais números, mas se feita nos moldes propostos pela PL 3887/2020, será a passos muito lentos, e sem perspectiva de resolver o problema.

Por óbvio, as considerações acima servem apenas para apontar problemas no Projeto de Lei, ainda que existam situações interessantes e que devem ser mantidas, como a expressa exclusão de demais tributos pagos da base de cálculo da CBS. O PL ainda deverá passar por ampla discussão no Congresso, e com absoluta certeza será analisado em conjunto com as demais propostas de reforma tributária em trâmite, PEC 45/2019 e PEC 110/2019, que são mais abrangentes e, em uma análise preliminar, nos parecem mais adequadas.

 



Henrique da Silveira Andreazza - advogado e sócio do escritório Assis Gonçalves, Kloss Neto e Advogados Associados


[1] Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Pg3iAdZXwMA, acessado em 30/07/2020



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