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quarta-feira, 5 de agosto de 2020

A explosão em Beirute e a reparação das vítimas

A explosão ocorrida em 04 de agosto na zona portuária de Beirute deixou mais de 70 mortos e milhares de feridos, bem como danos ambientais e danos patrimoniais de grandes proporções, com destruição de prédios e veículos. 


O acidente provocou consequências num raio de vários quilômetros de distância, levando ao rompimento de vidros e janelas, sendo comparado ao abalo de um terremoto.

Segundo veículos de imprensa noticiaram, após o acidente havia pessoas presas em casas incendiadas e os hospitais estavam com sua capacidade de atendimento comprometida.

Trata-se de mera fatalidade relacionada ao acaso ou as vítimas têm direito a indenização pelos danos suportados?

A culpa, normalmente usada como fator de atribuição de responsabilidade civil, é definida juridicamente como a falta de observância de um dever de cuidado que deveria ter sido obedecido na situação. Essa falta de cuidado verificada na conduta do autor do dano é o que legitima a sua responsabilização.

Mas, em alguns casos, como forma de promover a defesa das vítimas garantindo-se a necessária reparação, o direito civil admite a responsabilidade independentemente de culpa.

Quando isso é possível?

No Brasil, a exemplo de outros países, há previsão legal no sentido de que quando uma atividade, por sua natureza, criar um risco extraordinário para os direitos alheios, os danos decorrentes da consumação desse risco deverão ser indenizados independentemente de culpa.

Em situações como essa, a discussão sobre a existência ou não de culpa nem se coloca, pois altera-se o fator de atribuição de responsabilidade civil, que deixa de ser a culpa e passa ser o risco, dando ensejo à denominada responsabilidade objetiva. Em síntese, o que a legislação faz é imputar ao criador do risco o ônus de suportar os danos que decorrem de sua consumação.

O Premiê do Líbano, Hassan Diab, afirmou que a explosão ocorrida em Beirute teria sido causada por 2.750 toneladas de nitrato de amônio, substância usada como fertilizante, que estava depositada em armazém no porto.

A estocagem desse tipo de material, que é inflamável se exposto a altas temperaturas, caracteriza o que em nosso país se denomina "atividade de risco" e no Brasil daria ensejo ao dever do proprietário da substância de indenizar as vítimas independentemente de ter ou não culpa pela explosão.

Embora a tragédia comentada tenha ocorrido em país estrangeiro, trata-se de situação juridicamente análoga às que vivemos recentemente em território nacional com os desastres que provieram do rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho que, sem dúvida, geram a responsabilidade da empresa administradora.

Desde os romanos que se aplica no direito os princípios difundidos por Ulpiano, segundo os quais não se deve lesar a ninguém (neminem laedere) e se deve dar a cada um o que é seu (suum cuique tribuere). Logo, nada mais justo do que imputar ao criador do risco o dever de reparar os danos decorrentes de sua atividade.




Murilo Rezende dos Santos - doutor em Direito pela USP e coordenador adjunto do curso de Direito do Centro de Ciências e Tecnologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie campus Campinas.

 

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