Estudo mostra que bairros da capital paulista com mais
internações e mortes pela doença coincidem com os de maior movimentação de
moradores (foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)
Existe uma forte relação entre a
circulação de pessoas que precisaram trabalhar durante a pandemia e as áreas da
cidade de São Paulo com maior concentração de casos de COVID-19. Bairros como
Cidade Ademar, Brasilândia, Sapopemba e Capão Redondo, que apresentam o maior
número de internações na cidade, coincidem com aqueles cujos moradores não
puderam permanecer em casa durante o período de quarentena.
“Os trabalhadores essenciais, da área
da saúde e de abastecimento, ou aqueles que precisaram trabalhar para manter a
renda, como é o caso de muitas empregadas domésticas, estão mais expostos ao
risco de morte ou de serem infectados. E a maior parte desses trabalhadores é
usuária do transporte público”, diz Raquel Rolnik, uma das
coordenadoras do Labcidade, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo (FAU-USP).
O estudo
liderado por Rolnik e realizado em parceria com o Instituto Pólis correlacionou
informações do DataSUS sobre as áreas com concentração de moradores que foram
hospitalizados por COVID-19 com dados públicos da companhia de transportes São
Paulo (SPTrans) sobre o carregamento dos ônibus no mesmo período, além de dados
da pesquisa Origem Destino, sobre o itinerário das viagens com motivo trabalho,
excluindo o contingente que possivelmente migrou para o teletrabalho.
O estudo
detectou que não foram todas as linhas de ônibus que tiveram maior movimentação
de passageiros durante a quarentena, mas aquelas cuja origem ou destino eram os
bairros de Capão Redondo, Jardim Ângela, Brasilândia, Cachoeirinha, Sapopemba,
Iguatemi, Cidade Tiradentes, Itaquera e Cidade Ademar. Outro ponto crítico da
cidade é a região central, por onde passam quase todas as linhas de ônibus e
que também é o principal destino ou origem principal de muitos trabalhadores.
A
pesquisadora ressalta que não é possível afirmar se o contágio ocorreu no
percurso do transporte, no local de trabalho ou no local de moradia do
trabalhador.
“De qualquer forma, nessas linhas com
maior concentração de pessoas, seria importante fazer adaptações para proteger
os passageiros. Não falo apenas de equipamentos de proteção individual como
máscaras, do uso de álcool gel e da necessidade de aumentar o número de ônibus
para atender essas linhas específicas. Seria importante também aumentar o
espaço dos terminais e pontos de ônibus com tendas, demarcações e espaços
provisórios para as pessoas poderem manter o distanciamento necessário”, diz
Rolnik à Agência FAPESP.
Outra
conclusão importante do estudo está na necessidade de se ter cautela ao
considerar a precariedade das condições de moradia como causa única dos pontos
críticos de transmissão. “Testamos essa hipótese no nosso trabalho, mas ela não
explica a questão por completo. Existem bairros adensados e precários que têm
muitos casos e outros que não têm. Da mesma forma, existem favelas que são
pontos críticos e outras com níveis de transmissão mais controlados. Nosso
estudo comprovou que, no caso da cidade de São Paulo, a circulação, inclusive
no transporte público, daqueles que precisaram trabalhar durante a quarentena
foi determinante para o aumento de casos da doença”, diz.
O
Labcidade, apoiado pela FAPESP em diferentes estudos sobre planejamento
territorial e regulação urbanística, tem acompanhado desde o início da pandemia
as formas como o novo coronavírus atinge as cidades – sobretudo a capital
paulista –, analisando seus impactos e dimensões urbanos, particularmente em
relação ao tema da moradia e urbanismo.
Número de hospitalizações e circulação
de pessoas
A análise sobre o fluxo de
transmissão da doença na cidade e a sua relação com o transporte público faz
parte de uma série de estudos realizados pelo grupo. Em trabalho anterior, os
pesquisadores mapearam os casos de morte e hospitalização por COVID-19 e
Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). O mapa das hospitalizações por CEP
mostrou que, embora as infecções por COVID-19 estejam espalhadas por toda a
cidade de São Paulo, isso não ocorre de forma homogênea e há concentrações de
casos em determinadas áreas da cidade (leia mais em: agencia.fapesp.br/33343/).
Para
entender como a movimentação das pessoas durante a quarentena influenciou a
transmissão da doença, os pesquisadores utilizaram dados de GPS dos ônibus
metropolitanos que circularam durante a pandemia entre o final de maio e o
início de junho de 2020.
“Por meio
da Lei de Acesso à Informação, conseguimos obter dados sobre quantas pessoas
circularam de ônibus e quais as linhas de maior movimento naqueles dias”, diz
Rolnik.
Os
pesquisadores utilizaram ainda dados da Pesquisa Origem e Destino. Realizada
pela Secretaria Estadual de Transportes há 50 anos, e com edição mais recente
lançada em 2017, a pesquisa traz dados sobre hábitos e tendências do
deslocamento cotidiano dos usuários do transporte público na capital paulista.
“Criamos
uma metodologia para excluir dos dados da Pesquisa Origem e Destino as viagens
que tinham educação como motivo, já que as escolas e as universidades estavam
fechadas. Também retiramos da análise as viagens por motivo de trabalho de
pessoas com ensino superior, cargos executivos ou de algumas profissões que
provavelmente estariam funcionando em regime de teletrabalho durante a quarentena.
Dessa forma foi possível mapear o fluxo daqueles que realmente precisaram sair
de casa para trabalhar e, assim, correlacionar esses dados com a disseminação
da doença”, diz.
Mais circulação com a abertura
Com base
no estudo, os pesquisadores veem com preocupação a reabertura gradual de
serviços e comércio na cidade. “O objetivo desse estudo é servir como base
científica para auxiliar na formulação de políticas públicas. Com a abertura do
comércio e o afrouxamento da quarentena, a consequência evidente é uma
movimentação maior de pessoas. Portanto, o esperado é que o impacto na
transmissão da doença também cresça”, diz.
“Compreendo
que a abertura das novas fases de retomada da economia é baseada na capacidade
do sistema de saúde poder atender a população doente e na ocupação de leitos de
UTI. São medições importantes, que devem ser levadas em conta, mas existem
outras que também precisam ser consideradas”, diz.
Rolnik
ressalta que a base de trabalhadores desse setor de serviços que está voltando
a funcionar coincide com a base de trabalhadores que estavam se contaminando
mais. “Estamos falando do mesmo grupo social que vai circular sem nenhuma
medida adicional de proteção nesse trajeto da casa para o trabalho”, diz.
De acordo
com a pesquisadora, o mapa com as áreas de maior contágio na cidade mostra algo
perverso. “Aparece muito claramente uma divisão entre aqueles que ficaram em
isolamento social e teletrabalho e os que precisaram sair para trabalhar para
que outros pudessem ficar em isolamento", diz.
Agência FAPESP
http://agencia.fapesp.br/deslocamento-para-o-trabalho-pode-explicar-concentracao-de-casos-de-covid-19-em-alguns-bairros-de-sp/33625/
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