Especialistas
explicam por que, principalmente, os jovens adotam determinados comportamentos
incitados na internet
Vale tudo pela fama, mesmo que seja momentânea? Se
depender de alguns, tudo é válido e o caminho para isso é ilimitado. Um dos
exemplos mais recentes são vídeos com o desafio da rasteira que têm viralizado
nas redes sociais. O objetivo é dar uma rasteira inesperada num dos
participantes enquanto ele salta, de modo que sofra uma queda que pode ter
sequelas graves, inclusive matar, como foi o caso de uma jovem de 16 anos, de
Mossoró (RN), que morreu, no ano passado, após participar da brincadeira. Nos
últimos dias, os vídeos voltaram à tona nas redes, o que tem preocupado
médicos, pais e responsáveis, já que a maioria dos participantes são jovens.
Mas o que justifica tal imaturidade? Para a
jornalista Mariana Mascarenhas, pesquisadora das teorias comunicacionais, o
meio virtual é um grande agravante por ampliar a repercussão do que fazemos.
“Quem faz tal tipo de brincadeira, muitas vezes, está focado apenas em receber
curtidas e conquistar alguns minutos de fama na internet, independentemente das
consequências. Essa não é a primeira nem será a última moda para atrair
seguidores virtuais”, diz a jornalista.
Ela também cita o exemplo de internautas que postam
selfies
em locais perigosos, como em torres de prédios, sem qualquer equipamento de
segurança. “Há casos de pessoas que já morreram, ao despencarem de um local
alto enquanto registravam uma selfie”.
Para Mariana, o foco em ganhar atenção é tão grande
que o indivíduo se esquece do perigo, das consequências que pode sofrer etc.
“Além disso, a repetição de tais cenas nas redes influencia outros a adotarem o
mesmo comportamento. É o chamado efeito latente, ou seja, a repetição de algo
até convencer o público a tomar determinada atitude. E, no caso dos jovens, a
propensão a isso é maior, já que estão em processo de desenvolvimento e o que
desejam é ser aceitos socialmente e conquistar popularidade”.
A pesquisadora também ressalta que tal fenômeno não
é novo, mas a velocidade e o alcance da reprodutibilidade imagética
proporcionada pela internet permite que um número maior de pessoas tenham
acesso à imagens, vídeos e demais conteúdos num tempo muito menor. “As mídias
comunicacionais tradicionais sempre utilizaram destas e de outras estratégias
para persuadir e influenciar o público, mas há uma grande diferença quando as
comparamos com o meio digital: antes da popularização da internet, quando o público
via uma brincadeira de mau gosto realizada na TV, por exemplo, e resolvia
imitá-la com seus amigos, esta se restringia apenas a um pequeno círculo
pessoal”, ressalta a jornalista. Ela diz que hoje, com a internet, a situação
mudou muito, pois um vídeo pode alcançar um número inimaginável de internautas.
O Prof. Jack Brandão, diretor do Centro de Estudos
Imagéticos CONDES-FOTÓS IMAGO LAB e pesquisador do impacto das imagens na
sociedade há mais de 30 anos, ressalta que o efeito latente e seu impacto na sociedade
já existe antes mesmo do surgimento das mídias comunicacionais. “Nós tendemos a
pensar que a era digital é a mais inovadora de todas, pois estamos inseridos
nela, mas não devemos nos esquecer de que cada período, com suas devidas
descobertas, representou um grande avanço para a sociedade da época. No
entanto, é óbvio que os fatores velocidade e globalização contribuíram de modo
inigualável para a propagação das informações”.
De acordo com Brandão, uma das consequências
trazidas pela rápida propagação informacional de modo constante, por meio do
efeito latente, é a construção de verdades absolutas. “A partir do momento que
eu envio uma mesma informação repetidas vezes para um amplo público, eu
construo uma verdade e, no caso de brincadeiras como a da rasteira, crio a
percepção de que é preciso fazê-la em troca de curtidas, comentários e até
novos seguidores, sem se importar com o risco que posso trazer ao outro. Há,
inclusive, quem participe do desafio e se sujeite a cair, desejoso de alguns
minutos de fama na internet”.
Para Brandão, trata-se de uma construção imagética
em torno da popularidade virtual, desejada principalmente pelos mais jovens,
diante do imediatismo das redes, em que necessitam reinventar-se o tempo todo
para não perderem a visibilidade virtual.
Segundo o pesquisador, tal construção existe desde
os primórdios da escrita, quando esta começou a ser utilizada para dar
visibilidade ao abstracionismo e explicar aquilo que a razão não conseguia.
“Assim, a linguagem escrita adquire o poder de construir verdades a partir do
que é registrado. Função que a fotografia, dentro do seu contexto, também
passou a assumir, ao considerar a imagem registrada como reprodução fiel da
realidade. E, não muito diferente, o espaço virtual apenas intensificou tal
poder ao expandir a construção de verdades, como é o caso do desafio da
rasteira”.
Brandão conclui que a simples viralização de um
comportamento é motivo para padroniza-lo e condicionar os demais a adotá-lo em
troca de popularidade, considerando-o uma espécie de “verdade”.
Portanto, é preciso alertar especialmente os jovens
sobre os perigos de tais brincadeiras e orientá-los a não serem condicionados
pelas “verdades virtuais”. Afinal, o que é a verdade?
Mariana
Mascarenhas - Jornalista. Mestra em Ciências Humanas pela UNISA. Pesquisadora das
Teorias da Comunicação e do Centro de Estudos Imagéticos CONDES-FOTÓS IMAGO
LAB.
Prof. Dr.
Jack Brandão - Doutor em Literatura pela Universidade de São Paulo (USP). Diretor do
Centro de Estudos Imagéticos CONDES-FOTÓS IMAGO LAB, editor da Lumen et
Virtus, Revista interdisciplinar de Cultura e Imagem,
pesquisador sobre a questão imagética em diversos níveis, como nas artes
pictográficas, escultóricas e fotográficas.
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