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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

O que está por trás da viralização do desafio da rasteira?


Especialistas explicam por que, principalmente, os jovens adotam determinados comportamentos incitados na internet


Vale tudo pela fama, mesmo que seja momentânea? Se depender de alguns, tudo é válido e o caminho para isso é ilimitado. Um dos exemplos mais recentes são vídeos com o desafio da rasteira que têm viralizado nas redes sociais. O objetivo é dar uma rasteira inesperada num dos participantes enquanto ele salta, de modo que sofra uma queda que pode ter sequelas graves, inclusive matar, como foi o caso de uma jovem de 16 anos, de Mossoró (RN), que morreu, no ano passado, após participar da brincadeira. Nos últimos dias, os vídeos voltaram à tona nas redes, o que tem preocupado médicos, pais e responsáveis, já que a maioria dos participantes são jovens.

Mas o que justifica tal imaturidade? Para a jornalista Mariana Mascarenhas, pesquisadora das teorias comunicacionais, o meio virtual é um grande agravante por ampliar a repercussão do que fazemos. “Quem faz tal tipo de brincadeira, muitas vezes, está focado apenas em receber curtidas e conquistar alguns minutos de fama na internet, independentemente das consequências. Essa não é a primeira nem será a última moda para atrair seguidores virtuais”, diz a jornalista.
Ela também cita o exemplo de internautas que postam selfies em locais perigosos, como em torres de prédios, sem qualquer equipamento de segurança. “Há casos de pessoas que já morreram, ao despencarem de um local alto enquanto registravam uma selfie”.

Para Mariana, o foco em ganhar atenção é tão grande que o indivíduo se esquece do perigo, das consequências que pode sofrer etc. “Além disso, a repetição de tais cenas nas redes influencia outros a adotarem o mesmo comportamento. É o chamado efeito latente, ou seja, a repetição de algo até convencer o público a tomar determinada atitude. E, no caso dos jovens, a propensão a isso é maior, já que estão em processo de desenvolvimento e o que desejam é ser aceitos socialmente e conquistar popularidade”.

A pesquisadora também ressalta que tal fenômeno não é novo, mas a velocidade e o alcance da reprodutibilidade imagética proporcionada pela internet permite que um número maior de pessoas tenham acesso à imagens, vídeos e demais conteúdos num tempo muito menor. “As mídias comunicacionais tradicionais sempre utilizaram destas e de outras estratégias para persuadir e influenciar o público, mas há uma grande diferença quando as comparamos com o meio digital: antes da popularização da internet, quando o público via uma brincadeira de mau gosto realizada na TV, por exemplo, e resolvia imitá-la com seus amigos, esta se restringia apenas a um pequeno círculo pessoal”, ressalta a jornalista. Ela diz que hoje, com a internet, a situação mudou muito, pois um vídeo pode alcançar um número inimaginável de internautas.

O Prof. Jack Brandão, diretor do Centro de Estudos Imagéticos CONDES-FOTÓS IMAGO LAB e pesquisador do impacto das imagens na sociedade há mais de 30 anos, ressalta que o efeito latente e seu impacto na sociedade já existe antes mesmo do surgimento das mídias comunicacionais. “Nós tendemos a pensar que a era digital é a mais inovadora de todas, pois estamos inseridos nela, mas não devemos nos esquecer de que cada período, com suas devidas descobertas, representou um grande avanço para a sociedade da época. No entanto, é óbvio que os fatores velocidade e globalização contribuíram de modo inigualável para a propagação das informações”.

De acordo com Brandão, uma das consequências trazidas pela rápida propagação informacional de modo constante, por meio do efeito latente, é a construção de verdades absolutas. “A partir do momento que eu envio uma mesma informação repetidas vezes para um amplo público, eu construo uma verdade e, no caso de brincadeiras como a da rasteira, crio a percepção de que é preciso fazê-la em troca de curtidas, comentários e até novos seguidores, sem se importar com o risco que posso trazer ao outro. Há, inclusive, quem participe do desafio e se sujeite a cair, desejoso de alguns minutos de fama na internet”.

Para Brandão, trata-se de uma construção imagética em torno da popularidade virtual, desejada principalmente pelos mais jovens, diante do imediatismo das redes, em que necessitam reinventar-se o tempo todo para não perderem a visibilidade virtual.

Segundo o pesquisador, tal construção existe desde os primórdios da escrita, quando esta começou a ser utilizada para dar visibilidade ao abstracionismo e explicar aquilo que a razão não conseguia. “Assim, a linguagem escrita adquire o poder de construir verdades a partir do que é registrado. Função que a fotografia, dentro do seu contexto, também passou a assumir, ao considerar a imagem registrada como reprodução fiel da realidade. E, não muito diferente, o espaço virtual apenas intensificou tal poder ao expandir a construção de verdades, como é o caso do desafio da rasteira”.

Brandão conclui que a simples viralização de um comportamento é motivo para padroniza-lo e condicionar os demais a adotá-lo em troca de popularidade, considerando-o uma espécie de “verdade”.

Portanto, é preciso alertar especialmente os jovens sobre os perigos de tais brincadeiras e orientá-los a não serem condicionados pelas “verdades virtuais”. Afinal, o que é a verdade?   




Mariana Mascarenhas - Jornalista. Mestra em Ciências Humanas pela UNISA. Pesquisadora das Teorias da Comunicação e do Centro de Estudos Imagéticos CONDES-FOTÓS IMAGO LAB.


Prof. Dr. Jack Brandão - Doutor em Literatura pela Universidade de São Paulo (USP). Diretor do Centro de Estudos Imagéticos CONDES-FOTÓS IMAGO LAB, editor da Lumen et Virtus, Revista interdisciplinar de Cultura e Imagem, pesquisador sobre a questão imagética em diversos níveis, como nas artes pictográficas, escultóricas e fotográficas.   



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