Ato em Nova York
foi realizado após a farmacêutica Johnson & Johnson, fabricante do
medicamento para tratar tuberculose, divulgar lucro no último trimestre do
ano passado
A organização interncaional Médicos Sem
Fronteiras (MSF) protestou nesta quarta-feira
(22) em frente à Bolsa de Valores de Nova York para
pedir que a empresa farmacêutica Johnson & Johnson (J&J)
disponibilize a bedaquilina, medicamento utilizado
no tratamento da tuberculose (TB), ao valor de até
US$ 1 por dia para todas as pessoas com a forma resistente da doença (TB-DR).
A organziação alerta que o preço da bedaquilina deve ser reduzido, considerando
as contribuições conjuntas feitas na pesquisa e desenvolvimento da bedaquilina
por parte dos contribuintes e da comunidade científica global de tuberculose,
incluindo a própria organização Médicos Sem Fronteiras.
O protesto ocorreu no mesmo dia em que a companhia
J&J divulgou o lucro obtido no quarto trimestre de 2019, com base em vendas
de 20,7 bilhões de dólares (cerca de 86,7 bilhões de reais). As vendas
totais da empresa em 2019 chegaram a 82,1 bilhões de dólares (cerca de 344
bilhões de reais).
"Após uma espera de quase meio século, finalmente
temos um medicamento que oferece às pessoas com tuberculose resistente a
medicamentos uma chance maior de serem curadas", disse Sharonann
Lynch, consultora sênior de políticas de HIV e TB da Campanha de
Acesso de MSF. “No entanto, este medicamento permanece fora do
alcance de mais de 80% das pessoas que precisam dele para permanecerem vivas.
Dadas as vendas e o crescimento contínuo da J&J, é perverso que a empresa
esteja impedindo pessoas de obterem a bedaquilina por causa de seu preço –
sobretudo diante de um investimento público tão substancial no desenvolvimento
do medicamento. As pessoas que precisam da bedaquilina não podem mais esperar."
Em 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS)
recomendou que a bedaquilina fosse usada como parte central de um regime
totalmente oral para tratar a TB-DR, substituindo, assim,
medicamentos mais antigos e mais tóxicos que precisavam ser injetados, causavam
efeitos colaterais graves e curavam só pouco mais da metade das pessoas
tratadas. Em outubro de 2019, MSF relatou resultados positivos no tratamento de
77,6% das pessoas que utilizaram os novos medicamentos orais para TB-DR,
incluindo 72% que seguiram regimes contendo bedaquilina. O estudo, realizado em
contextos onde MSF e seus parceiros atuam em 17 países, é maior já realizado
até o momento sobre os resultados do tratamento com bedaquilina.
Apesar disso, poucas pessoas conseguem obter o
medicamento. Desde que foi aprovada para uso, em 2012, pouco mais de 37 mil
pessoas receberam a bedaquilina. O número é uma parcela pequena, considerando
que cerca de 80% das 484 mil pessoas que desenvolvem TB-DR anualmente (segundo
o Relatório Global de TB 2019) devem ser tratadas com o medicamento. A
implementação de um tratamento melhor tolerado pelos pacientes, contendo
bedaquilina, ocorrerá apenas se a J&J disponibilizar o medicamento
amplamente e torná-lo acessível, permitindo, inclusive, que outros fabricantes
de medicamentos para tuberculose produzam versões genéricas.
A bedaquilina foi desenvolvida com considerável
apoio dos contribuintes sem fins lucrativos e filantrópicos. Grande parte do
trabalho crítico para informar sobre o uso do medicamento e demonstrar seu
valor terapêutico foi conduzida pela comunidade de pesquisa sobre TB,
ministérios de Saúde de alguns países e prestadores de cuidados médicos,
incluindo MSF. Os estudos foram financiados por contribuintes e outros
doadores. Médicos Sem Fronteiras defende que a farmacêutica J&J não
deveria, portanto, ser a única tomadora de decisão sobre quem tem acesso ao
medicamento.
Atualmente, a companhia cobra o dobro do preço que
MSF considera justo: o preço da bedaquilina é de US$ 400 dólares (cerca
de R$ 1.980), em um curso de tratamento de seis meses, para países
elegíveis para comprar o medicamento por meio da Global Drug Facility,
uma organização administrada pela Stop TB Partnership que
fornece medicamentos para TB a países de baixa e média renda. Em outros países,
os valores do medicamento cobrados pela J&J são maiores. Além disso,
algumas pessoas precisam de até 20 meses do medicamento, o que aumenta o preço
da bedaquilina para U$ 1.200 dólares (cerca de R$ 5.040 ). No
entanto, pesquisadores da Universidade de Liverpool calcularam que o
medicamento poderia ser produzido e vendido por muito menos, mantendo ainda uma
margem de lucro. Em um dos cenários, poderia custar US$ 0,25 centavos (cerca
de R$ 1,5) por dia se pelo menos 108 mil tratamentos fossem vendidos por
ano.
MSF e o combate à tuberculose
MSF é a maior Organização Não Governamental que
oferece tratamento para tuberculose e realiza este trabalho há 30 anos. Muitas
vezes, atuamos junto a autoridades de saúde nacionais para tratar pacientes em
uma grande variedade de ambientes, incluindo zonas crônicas de conflito,
favelas urbanas, prisões, campos de refugiados e áreas rurais. Em setembro de
2019, em projetos de MSF em 14 países, mais de 2 mil pessoas foram tratadas com
os medicamentos mais novos do mercado, incluindo 874 com delamanida, 1.946 com
bedaquilina e um subconjunto de 429 pessoas tratadas com uma combinação dos
dois medicamentos.
Sobre Médicos Sem Fronteiras
Médicos Sem Fronteiras é uma organização
humanitária internacional que leva cuidados de saúde a pessoas afetadas por
conflitos armados, desastres naturais, epidemias, desnutrição ou sem nenhum
acesso à assistência médica. Oferece ajuda exclusivamente com base na
necessidade das populações atendidas, sem discriminação de raça, religião ou
convicção política e de forma independente de poderes políticos e econômicos.
Também é missão da MSF chamar a atenção para as dificuldades enfrentadas pelas
pessoas atendidas em seus projetos.
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