Ideia forte na propaganda republicana, a
Federação caiu bem no gosto das províncias brasileiras, interessadas na
autonomia em relação à metrópole. Talvez não tenham lido Alexis Tocqueville.
Talvez não se hajam inteirado da admiração que lhe causou perceber que o
federalismo era perfeitamente entendido pelos cidadãos norte-americanos,
habilitados a distinguir as áreas de competência da União e das unidades
federadas.
No Brasil sempre estivemos longe disso.
Proclamada a República dos Estados Unidos do Brasil, em etapas sucessivas fomos
entregando autonomia, anéis e dedos à esfera federal. Nossas províncias se
haviam convertido em estados, é verdade, mas aos poucos, à medida que os
recursos, ou o poder, se iam concentrando na União, os estados, e depois os
municípios, começaram a encontrar maior segurança na condição de dependência.
A falta de autonomia, em muitos casos,
chega às raias do absurdo. Descobrimos, recentemente, que em 3064 municípios
brasileiros, a administração pública é a atividade econômica dominante; 1254
deles não arrecadam sequer 10% de sua despesa em fontes próprias e podem ser
fundidos ou reincorporados ao município-mãe. Foram criados por conveniência
política e ambições eleitorais, tendo a repartição dos cargos como objetivo
preponderante.
Há poucos dias ocorreram as provas do
ENEM. Você pode imaginar o que seja um exame nacional de ensino médio, com
alunos de todo o Brasil prestando provas no mesmo dia e na mesma hora, sobre o
mesmo conteúdo? Desculpem-me os fãs do sistema, mas isso é um apavorante
instrumento totalitário com o poder de determinar objetos de estudo, leituras e
interpretações a serem seguidos por todas as escolas do país! Fico me
perguntando se em Cuba e na Venezuela existe algo assim.
Na mesma esteira, dispomos de um Sistema
Único de Saúde, sacralizado por uns e rejeitado por outros, em cuja esteira
nasceu o Sistema Único de Assistência Social. Para aproveitar ao máximo o papel
unificador dos "sistemas únicos", criou-se a Base Nacional Comum
Curricular, um calhamaço de 600 páginas que deve ser seguido página por página
em todo o território nacional.
Está impressionado? Faça uma
experiência: procure no Google por "Programa Nacional". Você vai se
surpreender com a variedade do cardápio proporcionado pela União aos entes
federados e determinando a constante romaria de prefeitos e governadores a
Brasília em busca de uma fatia desses recursos. Na maior parte dos casos, esses
valores correspondem à principal parcela de seus investimentos possíveis. Não é
incomum que sejam buscados independentemente das prioridades locais, pelo
simples fato de estarem disponíveis.
Aos poucos, a Federação nos foi roubada.
A política nacional, também aos poucos, vai influenciando as eleições nas
unidades federadas - estados e municípios - sinalizando a conveniência de se
alinharem, as administrações locais, às políticas do poder central. Querem algo
mais provinciano?
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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