O atual ministro da Saúde, Luiz
Henrique Mandetta, manifestou recentemente sua opinião no sentido de que a
legislação de planos de saúde precisa ser modernizada e que o Governo Federal
está em movimentação para realizar mudanças no setor. Durante um discurso no
Fórum da Saúde, em Brasília, o ministro disse que a Lei 9.656/98 é “engessante”
e “restritiva”.
Entre as propostas estudadas pelo Governo, estão
mudanças no modelo de reajuste de planos individuais, o qual deixaria de ser
regulado pela ANS e passaria às empresas, além da oferta de planos segmentados
ou “customizados” - em que as empresas poderiam ofertar planos apenas focados
em consultas e exames, por exemplo.
Tal discurso está alinhado com os termos da recente
publicação da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar) “Uma
nova saúde suplementar para mais brasileiros”. Um em cada três brasileiros
possui algum tipo de plano de saúde privado, o que torna a discussão desse tema
importantíssimo sob o aspecto socioeconômico.
O objetivo da legislação existente não é impedir o
crescimento econômico das operadoras, tampouco inviabilizar o sistema de saúde
privado no país. Ocorre que direitos mínimos precisam ser garantidos ao
cidadão, o qual sempre é a marionete de interesses financeiros – operadoras
apresentam lucro constante, ainda que o país esteja em crise.
Desde logo se observa que as operadoras usam o
falso argumento de que planos mais baratos desopilariam o sistema público de
saúde - o que não é verdade. Outro argumento questionável para a criação
de planos com menor cobertura é o de que a saúde apresenta custos altíssimos e
crescentes. Entretanto, esse mesmo raciocínio deve ser usado para o sistema
público de saúde, o qual ficaria com a obrigação de realizar todos os
procedimentos não cobertos pelos planos mais “acessíveis”.
Em um raciocínio transversal e de forma a colaborar
com o debate acerca de possíveis alternativas para o setor da saúde, talvez as
clínicas populares (um modelo de negócio crescente no país) façam melhor esse
papel.
Ou, ainda se pode pensar em outro recurso
interessante: a telemedicina (como ocorre em vários países) pode ser
solução de casos como um simples resfriado, uma dor muscular, um mal estar no
estômago após exageros no almoço de domingo. O cidadão pode pagar um valor de
consulta baixo, pontualmente para aquele caso, ser atendido, medicado e
prosseguir sua vida sem estar com a obrigatoriedade de pagamentos mensais. Por
que esse cidadão precisaria pagar um plano de saúde mensal, com coberturas
mínimas, se teria de buscar o sistema público de saúde para exames mais
complexos, hospitalização e procedimentos cirúrgicos?
Evitar desperdícios, coibir e punir fraudes e criar
outro sistema de remuneração a médicos e fornecedores podem levar ao melhor uso
de recursos para a saúde , sem que se mude a lei para diminuir benefícios e
direitos dos usuários
Se considerarmos a judicialização no setor,
conclui-se (sem muita dificuldade) que muitos consumidores já se consideram
desassistidos pelos planos e demandam por coberturas muitas vezes não previstas
contratualmente.
Atualmente, esse é o principal problema enfrentado
pelo mercado: a sustentabilidade do modelo pelo alto custo dos serviços. Observa-se
uma mudança estrutural na sociedade: o maior aumento de idosos demandará maior
procura ao sistema de saúde, público ou privado. O implemento de novas
tecnologias representa aumento de custos.
A crise econômica e o alto índice de pessoas que
perderam o emprego delineiam também uma nova realidade no setor da saúde
privada. Há uma bolha se formando, pois faltam recursos ao Governo, tanto o é
que foi necessário limitar o teto para gastos dentro dos próximos 20 anos. De
outro lado, em razão da crise, milhões de pessoas perderam seus planos de saúde
empresariais e ainda não se recolocaram no mercado de trabalho, quer para ter
direito a um novo plano ou para que possam contratar um individual.
Para além da alternativa de planos de saúde mais
baratos, as operadoras poderiam optar pela redução de custos por meio de
programas de prevenção (primária, secundária e terciária) que envolvam desde a
nutrição, exercícios até o acompanhamento de pacientes de risco. Não se deve
excluir a imunização com forma de diminuir os gastos com atendimentos médicos.
Essa pode ser uma saída necessária para a saúde financeiro-administrativa do
mercado de saúde privada no país.
Mas, haveria interesse de se organizar o sistema em
prol da saúde e não da doença?
Logicamente, essa eventual alteração na legislação
teria de passar pelo Congresso Nacional. As confederações, conselhos médicos,
representantes da ANS e das operadores de planos de saúde, acadêmicos,
economistas, entre outros atores, deverão debater quais os principais gargalos
do setor no país. É essencial uma discussão profunda sobre o equilíbrio dos
custos médicos com as necessidades do paciente brasileiro. Isso para tentar
chegar a um modelo acessível para a saúde em todas as faixas etárias e nas
diferentes regiões do Brasil. Mas, abrir mão de conquistas favoráveis ao
paciente/consumidor não é o melhor caminho.
Sandra Franco - consultora jurídica especializada
em Direito Médico e da Saúde, doutoranda em Saúde Pública, MBA/FGV em Gestão de
Serviços em Saúde, ex-presidente da Comissão de Direito Médico e da Saúde da
OAB de São José dos Campos (SP), membro do Comitê de Ética para pesquisa em
seres humanos da UNESP (SJC) e presidente da Academia Brasileira de Direito
Médico e da Saúde.
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