“Com muita
tristeza no coração, eu gostaria de tornar público como forma de aplacar um
pouco da dor que vou carregar para o resto da minha vida que a minha ex-esposa,
que é sócia da área tributária do escritório X, manteve um caso com o também
sócio, casado e com filhos, por 14 anos enquanto esteve comigo. Estou postando
aqui como forma de recuperar todos os danos psicológicos causados a mim por
conta desse relacionamento tão sujo que afeta a imagem desse escritório tão
renomado. (..) Minha ex esposa se vendeu e vendeu e destruiu minha família com
um único objetivo de se tornar sócia desse escritório, já que sabia que se não
agisse dessa forma não conseguiria tal objetivo. Pena saber que um escritório
como esse seja permisso com tais atitudes”.
Essa é uma reprodução livre de um trecho de um post
colocado nas redes sociais, que viralizou na última semana de outubro de 2019.
O texto foi postado no Facebook por um advogado que
supostamente foi traído por sua esposa, também advogada, abalando o meio
jurídico e não só a reputação dela, como também a reputação do renomado
escritório, por insinuar que supostamente seus sócios são escolhidos pelos
motivos errados, e que o escritório é permissivo com tais atitudes. Tal fato
retrata bem as situações nas quais empresas sofrem danos à imagem, decorrentes
da atuação de seus colaboradores, consumidores e até mesmo empresas
concorrentes.
Isso é crime? Que tipo de crime? Uma pessoa
jurídica pode ser vítima de crime contra honra? Ela possui honra? Onde começa a
liberdade de expressão que todos temos garantida pela Constituição e onde
começa o direito de preservação da privacidade e da honra das empresas?
Temos várias notícias hoje de condenações criminais
por conta de ofensas na internet. Essas decisões servem de alerta para um
delito que se encontra em ascensão na atualidade.
A matéria é de alta complexidade. Com efeito, a legislação
prevê o crime calúnia, o crime de injúria e o crime de difamação, os quais são
denominados “crimes contra a honra”, previstos nos artigos 138, 139 e 140 do
Código Penal. Dos crimes de calúnia e injúria, só pessoa física pode ser
vítima. A Calúnia ocorre quando uma pessoa “A” imputa falsamente um fato
criminoso a uma pessoa “B”, sabendo que é mentira. A injúria, por sua vez,
ocorre quando uma pessoa “A” ofende a honra subjetiva de uma pessoa “B”, por
exemplo, chama a pessoa “B” de “imbecil”. Honra subjetiva é o conceito que a
própria pessoa tem sobre si.
A pessoa jurídica não tem honra subjetiva, então,
por isso ela não pode ser vítima de injúria. De calúnia, teoricamente ela até
pode ser vítima, mas somente se a imputação falsa for específica de crime
ambiental, já que é o único tipo de crime que a lei prevê que as Pessoas
Jurídicas podem praticar.
Já o crime de difamação é diferente, porque ocorre
quando uma pessoa “A” imputa a prática de fato que é ofensivo à reputação de
uma pessoa “B”, ou seja, que é ofensivo à honra objetiva da pessoa “B”, não
importando se aquele fato é verdadeiro ou não.
Assim, a difamação pode ser cometida também contra
empresas, já que apesar de não possuírem honra subjetiva, elas têm honra
objetiva, ou seja, elas têm um nome a zelar. Além do fato citado no início
desse texto, são exemplos corriqueiros de difamação de empresas: dizer que uma
determinada empresa trata mal os funcionários; ou que vende produtos não
regulamentados; ou que força a justa causa dos funcionários; ou que é
permissiva com ilicitudes, assédios ou depravações; e muitas outras situações,
que podem manchar gravemente a reputação da empresa, fazendo inclusive com que
sua marca possa perder valor de mercado.
Para uma manifestação pública se caracterizar como crime
de difamação contra uma empresa, o autor deve ter a intenção de manchar a
reputação daquela empresa, e imputar um fato ofensivo à sua reputação, seja
verdadeiro ou não.
Atualmente muitas empresas são constantemente
ofendidas na internet, por exemplo, quando seus consumidores escrevem
comentários em sites como “Facebook” e “Reclame
Aqui”, difamando o bom nome dessas empresas. Nesses casos é
interessante analisar mais profundamente, porque, por vezes, quando o
consumidor recorre à internet para reclamar, a intenção dele não é apenas
demonstrar a insatisfação com o produto ou serviço prestado, mas sim manchar a
reputação da empresa, ofendendo a honra objetiva do negócio. Nestas hipóteses
pode haver de fato o crime de difamação.
Outro tipo de ofensa que muitas empresas têm
sofrido na internet ocorre quando seus concorrentes publicam ou divulgam, por
qualquer meio, afirmações falsas sobre essas empresas, com o fim de obter
vantagem sobre elas. Nesses casos, o crime passa a ser o de concorrência
desleal, previsto no artigo 195, I e II, da Lei 9.279/1996.
Qualquer que seja a situação, se o empresário
vislumbra que sua empresa pode ter sido vítima de difamação ou de concorrência
desleal, é aconselhável que, antes de tomar qualquer atitude, como, por
exemplo, registrar ocorrência policial, ou efetivamente decidir propor a ação
penal, ele procure um advogado, que poderá avaliar se a conduta é realmente um
ilícito penal, um ilícito civil, ou mera fruição da liberdade de expressão, que
é um direito de todo cidadão, garantido pela Constituição Federal.
João Francisco Raposo Soares - advogado, pós
graduado em direito penal pela Universidade Mackenzie, com especialização em
crimes financeiros pela FGV e curso intensivo de negociação pela Harvard Law
School e sócio fundador do escritório Raposo Soares e Salomé Advogados.
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