Leitor
escreve para trazer à reflexão a passagem do Evangelho de Lucas em que Jesus enfrenta
os fariseus incomodados com o fato de ele curar enfermos no sábado, quando,
segundo a Lei, era proibido trabalhar. "O que é permitido fazer no sábado
- pergunta Jesus - o bem ou o mal, salvar a vida ou destruí-la"?
A questão,
muito bem lembrada, se encaixa perfeitamente nas razões alegadas pelos seis
ministros do STF que decidiram abrir as portas das prisões restituindo à
liberdade corruptos e corruptores, e esterilizando a Lava Jato. Diziam-se
presos à literalidade dos preceitos, embora com tanta frequência passem por
cima deles com o trator da própria vontade, gosto ou desgosto.
Essa
desastrosa e desastrada composição do STF vive às turras com a nação. Solta
bandidos e atribui à iniciativa intenções didáticas, convicta de exercer um
papel contramajoritário. De fato, com frequência, as posições que assume
coincidem com pequena minoria da sociedade, mas ferem o senso moral da imensa
maioria dos brasileiros. Boa parte da Corte se assemelha aos escribas e
fariseus dos Evangelhos, que, em leitura desajuizada da lei, nem mesmo o bem se
permitiam fazer...
Quem buscou
avaliar o sentimento da população em relação à abertura das portas das prisões
para a revoada dos rapinantes de colarinho branco, certamente pode perceber o
efeito maligno da decisão do Supremo. O descrédito do brasileiro nas
instituições em geral, na Constituição e na cúpula do Judiciário em particular
é proporcional às disparatadas decisões das últimas semanas.
Não
esqueçamos que dias antes do "liberou geral", do "grito de
carnaval da bandidagem" em 7 de novembro, a Corte havia acolhido a exótica
pretensão de um corrupto que clamou pela prerrogativa de falar por último nas
alegações finais do processo em que foi condenado. Com isso, abriram, na parede
da prisão, um buraco através do qual mais de uma centena de criminosos poderão
voltar às ruas debochando da lei, rindo dos honestos. E o Brasil retorna à
regra geral da impunidade, presente de fim de ano proporcionado pelo Supremo
Tribunal Federal deste maltratado país.
Enquanto Lula discursava rufando tambores
de guerra, eu pensava na necessidade de imprimir na escassa memória nacional
que o desastre em curso só aconteceu devido à ação de tipos humanos tão
impopulares e rejeitados quanto Dias Toffoli e Gilmar Mendes. O estrago todo só
aconteceu porque ambos decidiram agir contra o que apoiavam e a apoiar o que
rejeitavam.
Já não nos basta um STF dividido na base de 6
x 5; temos, também, ministros com convicções fluidas, instáveis, cambaleantes.
Conferem insegurança jurídica aos agentes da lei e esgrimam argumentos para
conferir regalias jurídicas... à bandidagem. Com as palavras de Verdi no
Rigoletto, são móveis "qual piuma al
vento".
O que motiva essas oscilações típicas de
palanque de banhado fica ao juízo soberano dos leitores.
Percival
Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e
escritor e titular do site www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do
Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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