Eu sei. Escrevo em estado de indignação,
que não é apenas má conselheira. É, também, má redatora. No entanto, este teclado,
por vezes, é meu psicólogo, meu psiquiatra e meu diretor espiritual...
Na noite de 14 de agosto, o Congresso
Nacional aprovou lei que, em seu artigo 1º, define “os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agente público,
servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las,
abuse do poder que lhe tenha sido atribuído”. A incompetência do texto já começa a se
manifestar nesse primeiro artigo que, reduzido à sua estrutura fundamental,
define os crimes de abuso cometido por quem comete abuso, o que, convenhamos, é
um erro de colegial.
Nos últimos anos, começamos a tomar
consciência de que os bandidos, em nosso país, dispõem de garantias sem
similar. A legislação comina penas que
não são cumpridas. Tudo, exceto o mau estado do sistema prisional, estimula a
reiteração das práticas criminosas. A atividade é altamente rentável e de baixo
risco; a vida honesta, um negócio mau e arriscado: trabalha-se para o Estado e
para estruturas criminosas que atuam em diversos níveis.
Eram conhecidas as dificuldades para
conferir maior segurança à sociedade. Elas eram um pouco de natureza policial
ou repressiva e, muito, de ordem ideológica, judicial, política, sociológica,
psicossocial e o que mais a inventividade possa conceber para vitimizar o
bandido e fazer, de sua vítima, mero ovo quebrado na omelete da reengenharia
social. A Lava Jato, sob amplo reconhecimento nacional, rompeu o círculo de
ferro da corrupção, destruiu o pacto de silêncio, a omertà. Fez algo que não tem perdão. A lei do abuso de autoridade
nasceu na maternidade dessa Camorra tupiniquim. É uma lei inimiga da Lei.
Quando a nação anseia por um garantismo do cidadão de bem, ela veio dar alegria
à bandidagem, aos corruptos, aos corruptores e seus representantes.
Com a frouxidão das leis que temos, com
as malícias e malefícios do garantismo penal, precisamos de um “garantismo
social” que proteja a sociedade e, especialmente, as vítimas. Pois nesse exato
momento, o Congresso, na contramão das expectativas nacionais, aprova a lei do
abuso de autoridade. Ela veio recheada de má intenção, numa deliberação
trevosa, obscura, em que os votos não têm nome nem rosto, em que os covardes se
escondem nas legendas e estas se dissimulam num acordão.
Li a lei. Ela não esconde sua função
inibidora. Novos temores e inseguranças se acrescem às dificuldades inerentes a
toda persecução criminal. Ela é a glória do garantismo! Vai contra tudo pelo
que a sociedade aguarda. Para os que a conceberam, para os autores dessa
agressão a todos nós, bandido bom é bandido na rua. Corrupto bom é corrupto
legislando, julgando, distribuindo ficha para concessão de habeas corpus. Se
essa lei for sancionada, todo policial, todo promotor, todo juiz, todo fiscal,
todo agente público, enfim, irá, prudentemente, priorizar a própria segurança e
não a segurança da sociedade. Será preferível não agir, tantos são os incômodos
e as penalizações a que sempre estarão sujeitos por motivação dos advogados dos
bandidos e suas alegações, perante um Poder Judiciário já marcadamente leniente
e garantista. Não dizem haver seis votos contra prisão após condenação em
segunda instância no STF?
Bem ao contrário do que afirmam os que
erguem a voz em sua defesa, a nova lei não foi pensada com os olhos postos no
“cidadão comum”. Ora, senhores! Por favor, não nos tomem por tolos! Essa lei
nasce de caso pensado, olhos postos nos inimigos da sociedade.
Percival Puggina -membro da Academia
Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do
Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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