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sexta-feira, 19 de julho de 2019

Para ABIA, falsa ideia do fim da AIDS afastou investidores globais e no Brasil conservadorismo ajudou a piorar a epidemia


A Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) recebeu com precaução o último relatório global “Comunidades no centro” do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre o HIV/AIDS (UNAIDS). Para a ABIA, é um avanço que este organismo internacional tenha reconhecido a desaceleração no progresso global para atingir a meta 90-90-90, um ambicioso projeto clínico-epidemiológico para o fim da AIDS como epidemia até 2030, conforme anunciado em 2015 pelo próprio Programa da ONU.

Tanto a ABIA, como outras vozes no mundo, vem alertando que o fim da AIDS não estaria próximo, como tentaram afirmar técnicos do UNAIDS e de outros organismos nacionais e internacionais. Na contramão desta suposta tendência, as vivências das pessoas que vivem com HIV e AIDS, assim como as ainda altas taxas de infecção pelo HIV e mortalidade, têm oferecido claras evidencias sobre como a epidemia continua afetando drasticamente populações e países ao redor do planeta.

Neste sentido, os números divulgados pelo UNAIDS são contundentes. Embora revelem uma continuidade da diminuição de casos de HIV e AIDS em algumas regiões no mundo – e coloca holofotes nas pessoas “privilegiadas” que, de fato, têm acesso e/ou podem pagar pelos novos tratamentos biomédicos – houve uma queda significativa nos recursos globais destinados às políticas anti-HIV. Em 2018, haviam US$ 19 bilhões disponíveis para a resposta à AIDS, US$ 7,2 bilhões abaixo dos recursos estimados como necessários para as metas até 2020. Do total de infectados, aproximadamente 13 milhões, ainda não tem acesso aos medicamentos antirretrovirais.

Para a ABIA, essa queda é reflexo do discurso falacioso da suposta vitória na luta contra a AIDS divulgado nos últimos anos. A falsa ideia de que a epidemia estaria a ponto de ser detida, afastou os investidores seja do financiamento bilateral seja da disponibilização de recursos domésticos para o enfrentamento ao HIV, um flagrante efeito de desmobilização deste tipo de discurso.

É preciso rediscutir a maneira pela qual as políticas anti-HIV têm sido implementadas no Brasil e no mundo. É inaceitável que 54% dos novos diagnósticos no mundo ocorrerem entre gays, homens que fazem sexo com outros homens, pessoas trans, profissionais do sexo e pessoas privadas de liberdade. É igualmente inadmissível que menos de 50% das populações mais vulneráveis tenham sido alcançadas por serviços de prevenção combinada em mais da metade dos países que participaram do levantamento feito pelo UNAIDS.

O caso brasileiro ganha um destaque especial e alarmante. O país registrou um aumento de 21% dos novos casos de infecção por HIV nos últimos oito anos. A nossa taxa de mortalidade por AIDS ainda é 12 mil casos por ano. Isto, associado ao atual cenário político fortemente conservador, é extremamente preocupante. Em pouco mais de seis meses, o novo governo protagonizou o desmonte do programa de AIDS no país. No lugar de reforçar e ampliar a resposta brasileira – outrora exemplo para o mundo – o país está sendo conduzido para um retrocesso sem precedentes na história da epidemia da AIDS.

Para a ABIA, não basta oferecer o tratamento ou desenvolver programas de prevenção à AIDS envolvendo apenas práticas clínicas de saúde. A AIDS está fortemente vinculada aos problemas criados pelo estigma, pelo preconceito e pela discriminação, um tripé atravessado por valores sociais e culturais profundos. Sem uma resposta adequada com foco na prevenção, no tratamento e no cuidado – e forte ênfase nos direitos humanos e no enfrentamento as questões de estigma e discriminação – não haverá resposta efetiva para a AIDS nem no Brasil e nem em qualquer lugar do planeta. 




Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS


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