A Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA)
recebeu com precaução o último relatório global “Comunidades no centro” do
Programa Conjunto das Nações Unidas sobre o HIV/AIDS (UNAIDS). Para a ABIA, é
um avanço que este organismo internacional tenha reconhecido a desaceleração no
progresso global para atingir a meta 90-90-90, um ambicioso projeto
clínico-epidemiológico para o fim da AIDS como epidemia até 2030, conforme
anunciado em 2015 pelo próprio Programa da ONU.
Tanto a ABIA, como outras vozes no mundo, vem alertando
que o fim da AIDS não estaria próximo, como tentaram afirmar técnicos do UNAIDS
e de outros organismos nacionais e internacionais. Na contramão desta suposta
tendência, as vivências das pessoas que vivem com HIV e AIDS, assim como as
ainda altas taxas de infecção pelo HIV e mortalidade, têm oferecido claras
evidencias sobre como a epidemia continua afetando drasticamente populações e
países ao redor do planeta.
Neste sentido, os números divulgados pelo UNAIDS são
contundentes. Embora revelem uma continuidade da diminuição de casos de HIV e
AIDS em algumas regiões no mundo – e coloca holofotes nas pessoas
“privilegiadas” que, de fato, têm acesso e/ou podem pagar pelos novos
tratamentos biomédicos – houve uma queda significativa nos recursos globais
destinados às políticas anti-HIV. Em 2018, haviam US$ 19 bilhões disponíveis
para a resposta à AIDS, US$ 7,2 bilhões abaixo dos recursos estimados como
necessários para as metas até 2020. Do total de infectados, aproximadamente 13
milhões, ainda não tem acesso aos medicamentos antirretrovirais.
Para a ABIA, essa queda é reflexo do discurso falacioso da
suposta vitória na luta contra a AIDS divulgado nos últimos anos. A falsa ideia
de que a epidemia estaria a ponto de ser detida, afastou os investidores seja
do financiamento bilateral seja da disponibilização de recursos domésticos para
o enfrentamento ao HIV, um flagrante efeito de desmobilização deste tipo de discurso.
É preciso rediscutir a maneira pela qual as políticas
anti-HIV têm sido implementadas no Brasil e no mundo. É inaceitável que 54% dos
novos diagnósticos no mundo ocorrerem entre gays, homens que fazem sexo com
outros homens, pessoas trans, profissionais do sexo e pessoas privadas de
liberdade. É igualmente inadmissível que menos de 50% das populações mais
vulneráveis tenham sido alcançadas por serviços de prevenção combinada em mais
da metade dos países que participaram do levantamento feito pelo UNAIDS.
O caso brasileiro ganha um destaque especial e alarmante.
O país registrou um aumento de 21% dos novos casos de infecção por HIV nos
últimos oito anos. A nossa taxa de mortalidade por AIDS ainda é 12 mil casos
por ano. Isto, associado ao atual cenário político fortemente conservador, é
extremamente preocupante. Em pouco mais de seis meses, o novo governo
protagonizou o desmonte do programa de AIDS no país. No lugar de reforçar e
ampliar a resposta brasileira – outrora exemplo para o mundo – o país está sendo
conduzido para um retrocesso sem precedentes na história da epidemia da AIDS.
Para a ABIA, não basta oferecer o tratamento ou
desenvolver programas de prevenção à AIDS envolvendo apenas práticas clínicas
de saúde. A AIDS está fortemente vinculada aos problemas criados pelo estigma,
pelo preconceito e pela discriminação, um tripé atravessado por valores sociais
e culturais profundos. Sem uma resposta adequada com foco na prevenção, no
tratamento e no cuidado – e forte ênfase nos direitos humanos e no enfrentamento
as questões de estigma e discriminação – não haverá resposta efetiva para a
AIDS nem no Brasil e nem em qualquer lugar do planeta.
Associação Brasileira
Interdisciplinar de AIDS
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