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quarta-feira, 17 de julho de 2019

O que você faz para aliviar dores?


Durante o inverno, os ventos que cortam as noites de Brasília costumam ser intensos. O clima seco dificulta a respiração e piora a sensação de quem precisa estar nas ruas até mais tarde da noite.


Durante o inverno, os ventos que cortam as noites de Brasília costumam ser intensos. O clima seco dificulta a respiração e piora a sensação de quem precisa estar nas ruas até mais tarde da noite. E uma noite dessas, eu precisei. Não foi nada de mais. Fui convidado para dar uma palestra em uma universidade e acabei perdendo uma carona de volta para casa, então tive de encarar uma viagem de metrô e depois pegar um ônibus para chegar até minha casa. 

A primeira parte da viagem foi bem sossegada. Sai da estação do metrô por volta das 23h30 e andei tranquilamente até o ponto de ônibus mais próximo e me sentei ouvindo música. Talvez eu tenha aguardado por uns 20 minutos até que um senhor de cabelos completamente grisalhos surgiu, trazendo uma sacola de plástico esverdeada. Ele sentou na extremidade oposta de onde eu me encontrava e no breve momento em que olhei, percebi que apesar de não estar agasalhado o suficiente para o frio que fazia naquela noite, não demonstrava qualquer sinal de incomodo. 

Foi quando suas mãos deram uma leve tremida e ele remexeu a sacola, retirando uma garrafa de cachaça barata e, ali mesmo, sorveu longos goles. Isso foi o que mais me chamou atenção, mas quem sou eu para aprovar ou não os hábitos e vícios de outra pessoa que não de meus filhos? O senhor percebeu, tampou a garrafa e se virou para mim. Ele chegou ao meu lado e pude encarar seus olhos embaçados, que mostravam a juventude abandonada há tempos. “O que você faz para aliviar as dores?”, perguntou ele em uma voz rouca, mas nada embriagada. 

Eu devo ter demonstrado surpresa e incompreensão ao mesmo tempo, pois ele a repetiu: “O que você faz para aliviar as dores que vem do coração, para aliviar os sofrimentos dos dias tristes?”. E antes que eu pudesse responder, ele contou que por anos trabalhou como lavador de carros, o que poderia não parecer grande coisa, mas o salário pagava a maior parte das contas em casa. A mulher ajudava nas demais contas e eles vivam sem faltar nada, mas um dia alguma coisa mudou. A esposa resolveu ir embora. Ela queria uma vida melhor que ele não podia dar. Desde então, começara a beber descontroladamente e agora estava com cirrose. A doença é uma inflamação no fígado e não tem cura, pode ser controlada, mas se não for, ela mata. 

Passei uma hora ouvindo a história das amarguras e tristezas daquele homem. Pelo que me falou, não conseguia mais largar a bebida e isso poderia causar sua morte em pouco tempo. E agora estava com medo. Não queria deixar aquela tristeza ser responsável por sua morte. Fiz o que estava ao meu alcance: esvaziei no chão da rua a garrafa que ele trazia na sacola e achei o número dos “Alcoólicos Anônimos” mais próximo para que tentassem ajuda-lo.
Despedimo-nos e cada um seguiu seu destino. Espero que aquele senhor tenha encontrado ajuda. Mas fiquei pensando no que me perguntou. Em meio à conversa, acabei não respondendo seu questionamento. Deveria ter falado: Eu alivio minhas dores escrevendo. E quando acho que ainda me dói, eu escrevo mais até traduzir todos os sentimentos em palavras. 





Fonte: www.agenciadoradio.com.br/ 


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