Durante o
inverno, os ventos que cortam as noites de Brasília costumam ser intensos. O
clima seco dificulta a respiração e piora a sensação de quem precisa estar nas
ruas até mais tarde da noite.
Durante o inverno, os ventos que cortam as noites
de Brasília costumam ser intensos. O clima seco dificulta a respiração e piora
a sensação de quem precisa estar nas ruas até mais tarde da noite. E uma noite
dessas, eu precisei. Não foi nada de mais. Fui convidado para dar uma palestra
em uma universidade e acabei perdendo uma carona de volta para casa, então tive
de encarar uma viagem de metrô e depois pegar um ônibus para chegar até minha
casa.
A primeira parte da viagem foi bem sossegada. Sai
da estação do metrô por volta das 23h30 e andei tranquilamente até o ponto de
ônibus mais próximo e me sentei ouvindo música. Talvez eu tenha aguardado por
uns 20 minutos até que um senhor de cabelos completamente grisalhos surgiu,
trazendo uma sacola de plástico esverdeada. Ele sentou na extremidade oposta de
onde eu me encontrava e no breve momento em que olhei, percebi que apesar de
não estar agasalhado o suficiente para o frio que fazia naquela noite, não
demonstrava qualquer sinal de incomodo.
Foi quando suas mãos deram uma leve tremida e ele
remexeu a sacola, retirando uma garrafa de cachaça barata e, ali mesmo, sorveu
longos goles. Isso foi o que mais me chamou atenção, mas quem sou eu para
aprovar ou não os hábitos e vícios de outra pessoa que não de meus filhos? O
senhor percebeu, tampou a garrafa e se virou para mim. Ele chegou ao meu lado e
pude encarar seus olhos embaçados, que mostravam a juventude abandonada há tempos.
“O que você faz para aliviar as dores?”, perguntou ele em uma voz rouca, mas
nada embriagada.
Eu devo ter demonstrado surpresa e incompreensão ao
mesmo tempo, pois ele a repetiu: “O que você faz para aliviar as dores que vem
do coração, para aliviar os sofrimentos dos dias tristes?”. E antes que eu
pudesse responder, ele contou que por anos trabalhou como lavador de carros, o
que poderia não parecer grande coisa, mas o salário pagava a maior parte das
contas em casa. A mulher ajudava nas demais contas e eles vivam sem faltar
nada, mas um dia alguma coisa mudou. A esposa resolveu ir embora. Ela queria
uma vida melhor que ele não podia dar. Desde então, começara a beber
descontroladamente e agora estava com cirrose. A doença é uma inflamação no
fígado e não tem cura, pode ser controlada, mas se não for, ela mata.
Passei uma hora ouvindo a história das amarguras e
tristezas daquele homem. Pelo que me falou, não conseguia mais largar a bebida
e isso poderia causar sua morte em pouco tempo. E agora estava com medo. Não
queria deixar aquela tristeza ser responsável por sua morte. Fiz o que estava
ao meu alcance: esvaziei no chão da rua a garrafa que ele trazia na sacola e
achei o número dos “Alcoólicos Anônimos” mais próximo para que tentassem
ajuda-lo.
Despedimo-nos e cada um seguiu seu destino. Espero
que aquele senhor tenha encontrado ajuda. Mas fiquei pensando no que me
perguntou. Em meio à conversa, acabei não respondendo seu questionamento.
Deveria ter falado: Eu alivio minhas dores escrevendo. E quando acho que ainda
me dói, eu escrevo mais até traduzir todos os sentimentos em palavras.
Fonte: www.agenciadoradio.com.br/
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