Nos meses
de agosto e setembro, a prevenção e o tratamento da hanseníase ganharão reforço
motorizado. O Projeto Roda Hans estará circulando pelo Estado do Rio de Janeiro
levando atendimento especializado à população e capacitando profissionais para
a identificação de casos da doença. Além da conscientização e da assistência
qualificada, o foco está no início do tratamento precoce.
O projeto
é uma iniciativa da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), juntamente com
o Ministério da Saúde e a Novartis Brasil. Na prática, uma carreta com seis
consultórios visitará diferentes municípios dando aos pacientes acesso a
dermatologistas especialistas em hanseníase que, durante o trabalho, contarão com
o suporte de residentes de serviços de pós-graduação credenciados pela SBD.
“Esse é um
momento muito importante para o diagnóstico precoce de casos da doença para
orientação da população para os sintomas, além da capacitação dos profissionais
da rede básica em relação à doença”, afirmou Sandra Durães, coordenadora do
Departamento de Hanseníase da SBD.
Iniciativas - Essa é apenas uma das iniciativas previstas pela
SBD em seu esforço para a prevenção à hanseníase no Brasil, conforme o
planejamento da atual gestão da entidade. O Janeiro Roxo, campanha do
Ministério da Saúde de combate à doença, contará com o apoio e a colaboração da
Sociedade. O esforço inclui a ativa participação dos dermatologistas por meio
de esclarecimentos e aulas voltadas à população nas salas de esperas dos
ambulatórios de todo o país.
Além
disso, são realizados exames de pele para identificar novos casos de hanseníase
e promovida a participação dos dermatologistas em entrevistas em jornais,
rádios e televisão. “Temos que capacitar cada vez mais os profissionais de
saúde no reconhecimento da doença, investir em informações e campanhas em
relação aos sinais e sintomas da doença e garantir recursos para a pesquisa e o
desenvolvimento de novas ferramentas de combate à doença, principalmente em
áreas de baixa renda e de maior vulnerabilidade”, destaca Egon Daxbacher,
diretor da SBD, que tem se dedicado ao tema. Ele salienta que cada vez mais é
preciso falar da hanseníase: “Parece uma doença que já acabou quando na verdade
ainda temos em torno de 25 mil casos todo ano, sendo que em torno de 8 a 10%
desses pacientes terão algum tipo de sequela proveniente”, alerta.
Debate político – Nesta semana, a hanseníase
voltou a ganhar evidência no debate político. A presidência da República
defendeu o enfrentamento dessa doença no Brasil durante transmissão ao vivo em
sua página no Facebook na segunda-feira (8/7), em que estava acompanhado pelo
ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e pelo presidente da Fundação
Nippon, o japonês Yohei Sasakawa, que lidera um trabalho internacional de
prevenção e tratamento da doença.
Os
ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Damares Alves (Mulher, Família
e Direitos Humanos) também acompanharam a transmissão. O presidente da
República disse que desconhecia a extensão do problema no país e reforçou a
necessidade de as pessoas procurarem ajuda sempre que identificarem qualquer
sintoma.
Segundo Egon Daxbacher, esse fato demonstra que o assunto entrou no
radar da autoridade máxima do país, o que pode sinalizar um direcionamento dos
recursos e dos esforços no combate à doença.
“A taxa de
detecção da doença é considerada importante e em algumas regiões, como Norte,
Centro-Oeste e Nordeste, há um número de casos expressivos. Nos lugares com
menor endemia, ainda ocorrem atrasos no diagnóstico. Por isso, é preciso
intensificar as ações em todo o País”, justifica.
Casos - O Brasil é o segundo país em casos de hanseníase
no mundo. De acordo com Sandra Durães, o Ministério da Saúde tem se esforçado
muito nos últimos anos no tratamento da doença. “De alguns anos para cá, houve
o processo de descentralização do atendimento, isto é, os pacientes que antes
eram atendidos em unidades de especialistas em dermatologia e neurologia,
atualmente são atendidos nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) no Programa de
Saúde da Família (PSF). Para isso ser possível, os dermatologistas trabalham
incessantemente na capacitação dos médicos da Atenção Básica e de Saúde da
Família para diagnosticar e tratar a doença”, destaca.
De acordo
com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 200 mil novos casos da doença
são detectados em todo o mundo anualmente, sendo que Brasil, Índia e Indonésia
concentram 80% desse total. Ainda segundo a entidade, o Brasil respondeu por
93% dos 29.101 casos detectados nas Américas em 2017.
“A SBD
atua juntamente ao Ministério da Saúde no Comitê Técnico Assessor de
Hanseníase, onde auxilia na tomada de decisões. Também capacita os
dermatologistas no combate à doença e treina médicos de família no
reconhecimento da doença em vários locais no Brasil”, lembrou o presidente da
SBD, Sergio Palma, que no serviço público onde atua, em Recife (PE), também
participa do atendimento de um ambulatório especializado nessa doença.
Agente etiológico - Doença infectocontagiosa
potencialmente curável e que tem como agente etiológico o bacilo Micobacterium
leprae. A infecção por hanseníase pode acometer pessoas de ambos os
sexos e de qualquer idade, mas é de difícil adoecimento, já que é necessário um
longo período de exposição à bactéria, motivo pelo qual apenas uma pequena
parcela da população infectada chega a adoecer.
Está
classificada entre as doenças ditas negligenciadas que atingem populações com
baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O Brasil, apesar de estar entre
as grandes economias mundiais, apresenta grande desigualdade social, com
grandes bolsões de pobreza nas periferias de suas metrópoles.
“A maioria
da população é resistente à doença e ao entrar em contato com a bactéria
consegue desenvolver uma boa imunidade e, automaticamente, resistência à
bactéria. Um pequeno percentual de pessoas pode adoecer”, explica Sandra
Durães. A doença é transmitida pelas vias áreas superiores (tosse ou espirro),
por meio do convívio próximo e prolongado com uma pessoa doente sem tratamento,
sendo que possui um longo período de incubação (em média, de dois a sete anos)
até que os sintomas se manifestem.
Diagnóstico - O diagnóstico da hanseníase é essencialmente
clínico e feito somente pelo exame físico e a história clínica do paciente. A
partir daí, um médico capacitado é capaz de diagnosticar a doença. “Exames
complementares como a baciloscopia, que mede a carga bacilar do paciente, e a
biópsia da pele devem ser realizados, porém não são de extrema necessidade. Na
maioria dos casos, o diagnóstico pode ser feito apenas pelo exame clínico”,
destaca Sandra Durães.
Ela
ressalta que o tratamento não é capaz de reverter o dano neural causado pela
hanseníase e que, por isso, o diagnóstico precoce é crucial, pois deixará menos
sequelas no paciente. “A bactéria da hanseníase tem uma afinidade especial pela
pele e pelos nervos periféricos. Na pele, ele irá se apresentar com manchas,
que podem ser brancas, rosas, vermelhas. Podem surgir caroços na pele,
infiltrações (áreas vermelhas elevadas), e essas lesões possuem característica
fundamental de apresentarem alguma alteração da sensibilidade ao frio, ao
calor, à dor e ao tato. A área lesionada fica dormente e apresenta
formigamento”, exemplifica.
Sandra
Durães observa ainda que os pacientes podem apresentar perda dos pelos das
sobrancelhas, sensação de nariz entupido, e ainda diminuição da força muscular
nos pés e nas mãos justamente pelo acometimento dos nervos periféricos.
Tratamento - Existem dois tipos de tratamento a partir da
análise do perfil dos pacientes, de acordo com a resistência que a pessoa tem à
doença. Para os pacientes paucibacilares – com ótima resistência à doença,
poucas lesões na pele e nos nervos periféricos e pequena carga bacilar – o
tratamento é feito à base de antibióticos durante seis meses.
No oposto,
existem os pacientes multibacilares, aqueles com grande carga bacilar e número
expressivo de lesões na pele e nervos acometidos, cujo tratamento com
antibióticos é feito durante 12 meses. O tratamento é feito gratuitamente nos
postos de saúde em todo o território nacional. “O paciente vai lá uma vez por
mês tomar determinado tipo de medicação e as outras medicações são
administradas em casa. Com o tratamento, o paciente se torna incapaz de
transmitir a doença às outras pessoas”, explica.
Estigma - A hanseníase é uma doença com alto potencial de
causar incapacidades e deformidades físicas. Isso ocorre devido à lesão do
nervo periférico. “A partir do momento que o paciente não tem a capacidade de
sentir uma panela quente, ele vai se lesionar com a queimadura e esta pode se
tornar uma infecção secundária da pele, ser transmitida ao osso e causar uma
osteomielite, com a perda das extremidades dos dedos dos pés e das mãos”,
adverte Sandra Durães.
Ela
esclarece ainda que não há nenhuma medida de isolamento em relação à doença.
“Antigamente os pacientes ficavam reclusos. Hoje, o tratamento é muito mais
eficaz e isso não é necessário. A partir do início do tratamento, com a primeira
dose do medicamento, o paciente já se torna não contagiante. Pessoas que
conviveram com os pacientes antes do tratamento devem ser examinadas a fim de
verificar se existe alguma lesão não percebida por elas. As pessoas que não têm
a doença irão receber uma dose da vacina BCG, diminuindo as chances de casos
mais graves da doença”, elucida.
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