As análises das amostras ainda estão em andamento e, por isso, não há ainda a confirmação exata do que causou a quebra nessa safra |
Entenda as causas, sintomas e a complexidade das doenças que estão
prejudicando a safra 2019 nas lavouras de trigo de Goiás, Minas Gerais e
Distrito Federal
O excesso
de dias chuvosos e consequentemente um ambiente muito mais úmido do que em anos
anteriores criou uma condição extremamente favorável para o desenvolvimento
atípico de doenças nesta safra de trigo no Cerrado brasileiro. E não foi só uma
doença, mas um complexo de doenças de trigo. A epidemia foliar, veloz e de
grande extensão, surpreendeu produtores e técnicos, que comunicam quebra na
produção. Por isso, nas últimas duas semanas, pesquisadores de diferentes elos
do setor tritícola visitaram lavouras dos estados de São Paulo, Goiás, Minas
Gerais, e Distrito Federal com o objetivo de tentar, em conjunto, realizar a
correta diagnose do complexo de doenças responsável pelos danos.
Segundo o
agrometeorologista da Rural Clima, Marco Antônio dos Santos, além do grande
volume de chuvas - de 20% a 40% superior para a média na região -, as
temperaturas também se mantiveram muito acima do normal, principalmente as
mínimas. “Em muitos locais, os volumes de chuvas totais ultrapassaram os 850 mm
e, em alguns períodos deste verão e do outono, as temperaturas mínimas ficaram
até 3 a 4°C acima da média. Um prato cheio para um maior desenvolvimento de
doenças”, comenta. A média de chuva na região varia entre 600 e 750 mm.
O
agrometeorologista comenta que todo clima atípico tem um causador. “Muitos
poderão dizer que é o El Niño, mas não é. Foi exatamente a não influência
clássica dele que provocou chuvas acima da média em toda metade Norte do Brasil
nesses últimos 6 a 8 meses. Isto é, mesmo os Institutos Climatológicos de todo
o mundo, em especial a NOAA, estarem divulgando que o clima está sob efeito do
El Niño desde a primavera de 2018 no hemisfério Sul, a atmosfera não vem
respondendo com tal. Apenas em alguns momentos, ao longo desse período, é que
se observou um clima semelhante ao de um El Niño. Até porque entre os meses de
dezembro e janeiro, houve registros de seca no Sul do Brasil, algo que não é
muito comum para um ano sob influência do El Niño.
Na
opinião dele, como o clima/atmosfera não foi influenciado por um El Niño
clássico, os corredores de umidade ficaram muito aleatórios e, com isso, houve
períodos até que a atmosfera se comportou com uma La Niña, causando muitas
chuvas sobre as regiões Central e Norte do Brasil. “Por isso, foram registradas
chuvas bem acima da média sob as áreas produtoras de trigo de MG, GO e DF”,
afima.
Complexo
de doenças em análise
A safra de trigo no Cerrado está marcada por condições ambientais atípicas em 2019 |
Paulo
Kuhnem, fitopatologista da Biotrigo Genética, comenta que essa complexidade de
fenômenos climáticos criou um cenário ideal para ocorrência de diferentes
lesões foliares que causaram um complexo de doenças que não ficaram restritas
apenas às lavouras de trigo, mas também afetando outros cultivos da região,
como milho e feijão. “Foi realmente um ambiente extremamente favorável para a
ocorrência de doenças foliares. Provavelmente essa situação não estaria sendo
observada, mesmo nos plantios mais antecipados se fosse um ano como foram as
últimas três safras na região”, comenta. “Muitas das amostras recebidas pela
Biotrigo de técnicos e agricultores tinham folhas com elevado número de lesões
de Brusone e de Bacteriose, sintomas em igual intensidade que eu só tinha
observado na Bolívia onde essas doenças ocorrem com frequência devido ao clima
úmido e quente da região”, complementa.
Tanto a
Brusone na folha quanto a Mancha Marrom necessitam de elevado número de horas
de molhamento foliar contínuo (14 e 11h, respectivamente) e temperatura acima
dos 24°C, inclusive à noite. Esses períodos prolongados de condições favoráveis
as infecções desses fungos além de aumentar o número de infecções foliares
também são condições ideias para a multiplicação de bactérias. “As bactérias
não conseguem penetrar diretamente no tecido foliar, necessitando de aberturas
naturais (como os estômatos e hidatódios), ferimentos causados por insetos ou
ainda lesões foliares como as de Mancha Marrom e Brusone. Por tanto, ambiente
extremamente favorável e em períodos prolongados, associado a presença de
lesões foliares, proporcionaram condições para bactéria infectar e rapidamente
aumentando os danos foliares nas lavouras. Como as bactérias se multiplicam de
forma muito rápida, em poucos dias as lavouras podem passar do verde para
completamente amarelas e, nos casos mais severos, causando a morte das
plantas”, ressalta.
O
pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig),
Maurício Antônio de Oliveira Coelho, concorda que se trata de uma situação nova
para os triticultores na região do Cerrado e que até o correto diagnóstico, a
assistência técnica e a pesquisa só podem responder apenas baseados na
sintomatologia observada. “Todos foram pegos de surpresa. Era praticamente
impossível trabalhar de forma preventiva. A partir do momento em que as
primeiras lavouras demonstraram, a gravidade da situação, produtores começaram
a fazer as primeiras aplicações curativas. Posteriormente, em lavouras mais
novas foram feitas aplicações preventivas”, relata.
Agente
causal
As
análises encaminhadas pelos pesquisadores de diferentes elos do setor tritícola
ainda estão em andamento e, por isso, não há a confirmação exata do que causou
a quebra nestas regiões. Um dos fatores que estão dificultando a sintomatologia
é a ocorrência de outras doenças de forma concomitante. Paulo comenta que nas
amostras coletadas nas lavouras de Minas Gerais, Goiás e Distrito Federal e analisadas
no laboratório de fitopatologia da Biotrigo, pode-se isolar colônias de
bactérias, que numa análise inicial, tem tido enquadramento em sua maioria
dentro do gênero Xanthomonas. “Ainda estamos realizando mais testes para
tentar identificar a espécie ou patovar desses isolados bacterianos para então
poder dizer que se trata ou não da Xanthomonas já relatada inúmeras
vezes no Brasil”. Nas lavouras acompanhadas não foram observados sintomas de
estria bacteriana padrão causada por Xanthomonas transluces pv. undulosa,
que como o nome indica, causa estrias no sentido das nervuras de coloração
marrom. “Vale ressaltar que também isolamos bactérias que não se enquadraram
nesse gênero, e por isso também estamos investigando se essas são patogênicas
no trigo ou apenas contaminantes nas amostras”, complementa.
Também foram isolados nas
amostras testadas pela Biotrigo, nas lesões com sintomas típicos de Brusone,
colônias do fungo Pyricularia oryzae, que é o agente causal da doença.
“Não foi possível isolar o fungo agente causal da Mancha marrom (Bipolaris
sorokiniana) nas amostras recebidas, mesmo das lesões consideradas típicas.
Contudo, isto não significa que a Mancha marrom também não esteja envolvida
neste complexo de doenças. Estas amostras levaram um tempo para chegar no nosso
laboratório aqui em Passo Fundo e isto pode ter afetado a viabilidade deste
fungo. De qualquer modo estamos reprocessando estas amostras e também
aguardando mais amostras chegarem para podermos ter mais dados dos patógenos
envolvidos na situação desse ano, considerada por agricultores e técnicos
locais como atípica”, ressalta Paulo.
Linhas de
ação para as próximas safras
Na
opinião do melhorista da Biotrigo, André Schönhofen, a velocidade e extensão
dos sintomas nas lavouras foram os motivos que geraram mais dúvidas entre os
produtores, técnicos e empresas de pesquisa. “Em nossas visitas, verificamos
que lavouras em todos os estádios de desenvolvimento apresentavam sintomas
foliares. É importante destacar que se esse ano fosse mais próximo de um clima
considerado normal, é provável que as lavouras semeadas dentro das datas do
zoneamento agroclimático estivessem significativamente melhores, tanto em
sanidade de folha como de espiga”, disse.
Maurício,
da Epamig, concorda que a tomada de decisão do produtor quanto a melhor época
de realizar a semeadura será decisiva para o controle das doenças nas próximas
safras. Ele acredita que a partir da diagnose correta e conhecendo os danos
potenciais causados por estas doenças foliares, o produtor de trigo deva
trabalhar em duas linhas de ação principais para o trigo no Cerrado. “Primeiro:
não recomendar, em hipótese nenhuma, semeadura de trigo fora do zoneamento
(meses de janeiro e fevereiro). Para semeaduras em março, trabalhar de forma
preventiva na aplicação de fungicidas recomendados para cada situação. Segundo:
é muito importante que os produtores conheçam as condições climáticas que
favorecem às doenças foliares e a Brusone na espiga. A busca de informações
climáticas, quer seja do histórico da região quanto das previsões para os meses
de cultivo, poderão auxiliar enormemente na tomada de decisão do produtor
quanto a melhor época de realizar a semeadura”, finaliza.
Fotos:
Divulgação Biotrigo
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