Como a sucessão de notícias ruins gera a indiferença
"Brumadinho: número de mortos vai a 150; 182
estão desaparecidos" - noticiou o portal Terra no dia 06/02/19; "Incêndio
atinge CT do Flamengo no Rio de Janeiro e mata 10 jogadores da base" -
título da matéria publicada em 08/02/19 no portal IG; "Morre Ricardo
Boechat" - chamada em destaque na homepage do portal UOL no dia 11/02/19.
Nas últimas semanas, essas e algumas outras
notícias ruins ganharam os holofotes na mídia brasileira em um espaço de tempo
tão curto que, mal o público lamentava determinada tragédia, outra já se
anunciava. A pergunta que se pode fazer é: será que a exibição incessante de
tragédias, no lugar de nos tornar sensíveis à dor do outro, pode nos tornar
insensíveis?
Para o pesquisador e especialista em imagens, Prof.
Dr. Jack Brandão, a propagação desmedida de notícias e imagens trágicas, da
forma como temos visto nas últimas semanas, acabam nos tornando não só
indiferentes como também insensíveis à avalanche informacional, pois “pior que
a inércia reflexiva observada frente a imagens de desgraças [...] é o fato de
que se num momento são paralisantes, em outro, são catalisadoras”.
O pesquisador, em sua obra Imagem:
Reflexo do Mundo e do Homem?, ainda acrescenta que “ao nos
depararmos com imagens fortes, estas podem, seguramente, nos anestesiar e nos
tornar inertes diante delas; mas que, após o choque inicial, não nos importamos
de ver mais e mais; pelo contrário, queremos isso, a ponto de elas não nos
atingirem como antes.” Se tomarmos Brumadinho como exemplo, perceberemos que
para se manter o interesse na notícia somos condicionados a querer outras
imagens que nos deem mais elementos, numa compulsão devoradora, a ponto de
perdemos o controle.
É, nesse momento, segundo Brandão, que se perde
“completamente, a emoção inerte e compassiva que houve naquele primeiro momento
de choque. Isso porque somos seres iconotrópicos, ou seja, somos
atraídos, compulsivamente, às imagens, como as plantas à luz; e, diante, de sua
abundância, tornamo-nos devoradores vorazes”.
Na obra, o pesquisador traz uma série de
fotografias que demonstram como algumas atrocidades do passado – a de
aborígenes presos e acorrentados na Austrália, para serem executados; a de
mulheres armênias crucificadas por serem cristãs no Genocídio Armênio; a de
missionários britânicos ao lado de congoleses posando com mãos decepadas sob o
império de terror do rei Leopoldo II; entre outras –, não nos atingem mais,
talvez pelo fato de estarmos distantes temporalmente delas.
No entanto, como ressalta o pesquisador, o excesso
imagético proporcionado pela mídia, em nossos dias, faz com que não ajamos
dessa maneira apenas com as imagens extemporâneas; mas, de modo especial, com
as situações do presente. Tomemos, como exemplo, o caso das três notícias
citadas na abertura desse texto.
Se partirmos de Brumadinho, cujo cataclismo foi
exponencial, perceberemos que a falta de imagens que demonstrassem a dor da maioria
daquelas vítimas anônimas teve um impacto menor em relação à consternação que
se sentiu pelos garotos do Flamengo, mas o fato de ainda serem desconhecidos
minimizaram sua comoção, como a percebida, logo a seguir, pela trágica morte do
jornalista Boechat.
Como em uma escala, ainda segundo o Dr. Jack
Brandão, percebe-se que a subexposição das vítimas, por pior que seja o
acidente, teria uma importância menor em relação àquelas notícias em que suas
imagens são, de forma maciça, difundidas. Naquele caso, para que o público
mantenha o mínimo de interesse e de consideração iniciais, a mídia se vê
obrigada a expor fotos das vítimas em sua vida pré-acidente. Por fim, chega-se,
a um grau maior de importância, beirando inclusive à comoção, quando a vítima é
alguém de destaque na mídia, já que é tida, muitas vezes, como um membro de sua
própria família.
Prof.
Dr. Jack Brandão - Doutor pela Universidade de São Paulo (USP),
pesquisador sobre a questão imagética em diversos níveis, como nas artes
pictográficas, escultóricas e fotográficas. Autor de diversos artigos e livros
sobre o tema no Brasil e no exterior. Coordenador do Centro de Estudos
Imagéticos CONDES-FOTÓS Imago Lab e editor da Lumen et Virtus,
Revista interdisciplinar de Cultura e Imagem.
condesfotosimagolab.com.br
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