Em um momento em que os
mercados se animam com uma guinada da sociedade brasileira por opções mais
liberais, parece anacrônico dizer que paira sobre as auditorias dos balanços
das Companhias um eventual passivo sobre diferenças de preço entre o praticado
do mercado de serviços de frete e uma tabela fixada por um órgão governamental
em virtude de negociações sindicais.
É difícil compreender como foi
possível ao Governo brasileiro criar para si e para a sociedade uma bomba
relógio tão difícil de desarmar. Pressionado pelo caos popular decorrente das
paralizações de maio de 2018, fez aprovar no Congresso Nacional uma controvertida
Política Nacional de Pisos Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas,
estabelecida por Medida Provisória convertida na Lei nº 13.703/18.
A referida Lei prevê não só a
edição de tabelas de preços mínimos de frete, mas cria a oportunidade ao transportador
de exigir do seu contratante uma indenização em valor equivalente a 2 (duas)
vezes a diferença entre o valor pago e o valor constante dos pisos mínimos
previstos por tabelamento oficial.
Essa indenização,
evidentemente, não precisa ser cobrada à vista. Pode ser cobrada no prazo de
prescrição de 3 (três) anos, previsto para o Código Civil para as ações
indenizatórias em geral. Desta feita, os reais efeitos dessa medida somente
poderão ser efetivamente medidos a partir de 2021, provavelmente com
agravamento da situação financeira das empresas e acirramento da litigiosidade
entre fornecedores e contratantes dos serviços de transporte que em nada
favorecem o desenvolvimento da econômico e social do Brasil.
O Supremo Tribunal Federal
(STF), chamado a se posicionar sobre o tema em ação direta de
inconstitucionalidade proposta para que seja reconhecida a evidente
contrariedade desta Lei e deste tabelamento ao princípio constitucional da
livre iniciativa, tem dado demonstrações ainda piores – se abstendo
integralmente do seu papel de garantidor da ordem jurídica brasileira. Nesse
sentido, é absolutamente condenável não só a demora em julgar tema de tão grave
repercussão, mas especialmente o vacilo do Ministro Relator, Luiz Fux, em
promover a pacificação do conflito sob a luz dos preceitos da Carta Magna.
O último e, até agora, o mais
absurdo deles foi a decisão proferida em 12 de dezembro último, em que
reconsiderou decisão tomada no dia anterior, nos autos da ADI 5956, revogando a
medida liminar anteriormente concedida para suspender a aplicação de multas e
penalidades administrativas decorrentes da não aplicação, pelas empresas em
regime de mercado, do tabelamento de fretes estabelecido pela ANTT (Agência
Nacional de Transportes Terrestres).
Ora, na falta desta liminar,
ou de uma decisão definitiva do Plenário do Supremo Tribunal Federal, as
empresas e cidadãos de todas as cadeias produtivas do Brasil, sem exceção
(todas dependentes de frete rodoviário) continuarão sujeitas não só a nefastas
discussões contratuais oportunistas, mas também a multas e penalidades impostas
por agências reguladoras, cuja imparcialidade é de se questionar. É ainda mais
absurdo que o Ministro do STF tenha fundamentado a sua decisão pela necessidade
de garantir o diálogo da nova estrutura governamental com supostos
representantes sindicais das categorias envolvidas.
Não se pode negar a
importância de dar atenção às circunstâncias políticas e sociais pelos órgãos
do Poder Judiciário. O Supremo Tribunal Federal, no entanto, jamais poderia se
valer da sua função pacificadora de conflitos para deixar de aplicar a
Constituição Federal, impondo às demandas corporativas o respeito aos
princípios do Estado Democrático de Direito e do respeito à livre iniciativa.
Por mais que se tente uma conciliação, somente o mercado poderá arbitrar a
Justiça das transações individuais, definindo os preços conforme a situação do
caso concreto, a oferta e a demanda.
Francisco de Godoy Bueno - sócio do Bueno, Mesquita
e Advogados; e Vice-Presidente da Sociedade Rural Brasileira
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