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quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Tabelamento de Caos



Em um momento em que os mercados se animam com uma guinada da sociedade brasileira por opções mais liberais, parece anacrônico dizer que paira sobre as auditorias dos balanços das Companhias um eventual passivo sobre diferenças de preço entre o praticado do mercado de serviços de frete e uma tabela fixada por um órgão governamental em virtude de negociações sindicais.

É difícil compreender como foi possível ao Governo brasileiro criar para si e para a sociedade uma bomba relógio tão difícil de desarmar. Pressionado pelo caos popular decorrente das paralizações de maio de 2018, fez aprovar no Congresso Nacional uma controvertida Política Nacional de Pisos Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas, estabelecida por Medida Provisória convertida na Lei nº 13.703/18.

A referida Lei prevê não só a edição de tabelas de preços mínimos de frete, mas cria a oportunidade ao transportador de exigir do seu contratante uma indenização em valor equivalente a 2 (duas) vezes a diferença entre o valor pago e o valor constante dos pisos mínimos previstos por tabelamento oficial.
 
Essa indenização, evidentemente, não precisa ser cobrada à vista. Pode ser cobrada no prazo de prescrição de 3 (três) anos, previsto para o Código Civil para as ações indenizatórias em geral. Desta feita, os reais efeitos dessa medida somente poderão ser efetivamente medidos a partir de 2021, provavelmente com agravamento da situação financeira das empresas e acirramento da litigiosidade entre fornecedores e contratantes dos serviços de transporte que em nada favorecem o desenvolvimento da econômico e social do Brasil.

O Supremo Tribunal Federal (STF), chamado a se posicionar sobre o tema em ação direta de inconstitucionalidade proposta para que seja reconhecida a evidente contrariedade desta Lei e deste tabelamento ao princípio constitucional da livre iniciativa, tem dado demonstrações ainda piores – se abstendo integralmente do seu papel de garantidor da ordem jurídica brasileira. Nesse sentido, é absolutamente condenável não só a demora em julgar tema de tão grave repercussão, mas especialmente o vacilo do Ministro Relator, Luiz Fux, em promover a pacificação do conflito sob a luz dos preceitos da Carta Magna.

O último e, até agora, o mais absurdo deles foi a decisão proferida em 12 de dezembro último, em que reconsiderou decisão tomada no dia anterior, nos autos da ADI 5956, revogando a medida liminar anteriormente concedida para suspender a aplicação de multas e penalidades administrativas decorrentes da não aplicação, pelas empresas em regime de mercado, do tabelamento de fretes estabelecido pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres).

Ora, na falta desta liminar, ou de uma decisão definitiva do Plenário do Supremo Tribunal Federal, as empresas e cidadãos de todas as cadeias produtivas do Brasil, sem exceção (todas dependentes de frete rodoviário) continuarão sujeitas não só a nefastas discussões contratuais oportunistas, mas também a multas e penalidades impostas por agências reguladoras, cuja imparcialidade é de se questionar. É ainda mais absurdo que o Ministro do STF tenha fundamentado a sua decisão pela necessidade de garantir o diálogo da nova estrutura governamental com supostos representantes sindicais das categorias envolvidas.

Não se pode negar a importância de dar atenção às circunstâncias políticas e sociais pelos órgãos do Poder Judiciário. O Supremo Tribunal Federal, no entanto, jamais poderia se valer da sua função pacificadora de conflitos para deixar de aplicar a Constituição Federal, impondo às demandas corporativas o respeito aos princípios do Estado Democrático de Direito e do respeito à livre iniciativa. Por mais que se tente uma conciliação, somente o mercado poderá arbitrar a Justiça das transações individuais, definindo os preços conforme a situação do caso concreto, a oferta e a demanda.








Francisco de Godoy Bueno - sócio do Bueno, Mesquita e Advogados; e Vice-Presidente da Sociedade Rural Brasileira



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