Sei que nada é mais livre do que a
burrice. A inteligência tem limites e a sabedoria exige imenso autocontrole.
Mas a burrice não conhece obstáculos. Quando contrai matrimônio com uma
ideologia, qualquer dessas que por serem também burras são contra tudo que
delas não provier, surge uma energia destrutiva na sociedade.
Porto Alegre, a bela capital gaúcha que
escolhi para viver, lá pelas tantas de sua história mais recente, se tornou
conhecida como Havana do Sul. Tudo começou no final dos anos 80 do século
passado, quando parte expressiva da população encantou-se e se deixou conduzir
pelos ditames da esquerda mais retrógrada do país. A cidade elegeu,
consecutivamente, quatro prefeitos – fato inédito na história universal – tão
esquerdistas quanto Olívio Dutra, Tarso Genro (duas vezes!) e Raul Pont. Com
essa sequência ainda em curso, Porto Alegre se credenciou a ser a cidade
símbolo do Fórum Social Mundial, aquele convescote do comunismo internacional
que aqui começou e levou anos dando cria. Valendo-se do mecanismo de recíproco
reconhecimento e mútua promoção característico dos aparelhos esquerdistas mundo
afora, a capital gaúcha era exibida como “referência mundial” em democracia
popular. Democracia popular, você sabe, era a trademark daquelas infelizes repúblicas dominadas pelo comunismo no
Leste Europeu e na Ásia, cuja principal característica consistia em serem não
democráticas e impopulares.
Essa esquerda, com o passar dos anos,
perdeu o prestígio, mas continuou seu proselitismo, atuando coletivamente como
efetiva vanguarda do atraso, título, aliás, de um bom livro do jornalista Diego
Casagrande. Os espaços dessa atuação são os usuais e é desnecessário repeti-los
aqui. Entre suas pautas estava a ferrenha oposição a toda forma de progresso,
desenvolvimento econômico, oportunidade de negócios (para quem não lembra, foi
durante o período em que Olívio Dutra governou o Estado que a mais nova planta
industrial da Ford, que já produziu 3 milhões de veículos, foi despachada para
a Bahia). Pelo viés oposto, mesmo fora do poder, seguiu alimentando o
corporativismo e promovendo o aparelhamento da administração pública e das
instituições do Estado.
Entre as consequências desse infeliz
pacote esteve a resistência à modernização da orla do esplêndido Guaíba e o
aproveitamento das antigas instalações portuárias do Cais Mauá e do Estaleiro
Só, relegadas ao abandono e à
degradação. Qualquer projeto de melhoria para essas áreas passou a ser
combatido como desrespeito à natureza, ao Guaíba e à cidade. Atos de repúdio,
abraços públicos de proteção, plebiscitos, acaloradas audiências e quanto mais
estivesse disponibilizado no arsenal do mais tacanho retrocesso foram usados ao
longo dos anos para impedir a integração desses locais à vida urbana.
Finalmente, há poucos dias, fez-se
visível o resultado da primeira vitória da população da cidade contra tais
absurdos: aproveitando-se do primeiro domingo de sol após a inauguração da nova
orla do Guaíba, verdadeira multidão, estimada em 40 mil pessoas, tomou posse do
local. Só faltou um cartaz advertindo que quem foi contra deveria manter-se
afastado dali. Tais cidadãos deveriam dirigir-se ao trecho seguinte, onde tudo
está como lhes agrada – a terra é nua, propriedade privada das macegas, ratos,
rãs, tuco-tucos e lixo.
Percival
Puggina - membro da Academia
Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de
jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o Totalitarismo; Cuba, a
Tragédia da Utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo
Pensar+.
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