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quarta-feira, 29 de novembro de 2017

O ano de 2017, Deus e o algoritmo brasileiro



Do ponto de vista do funcionamento dos neurônios mais bem preparados do cérebro dos brasileiros, o ano de 2017 foi um desastre. Nada poderia ter feito mais mal à formação dos circuitos produtivos que envolvem as estações de trabalho da memória, do juízo crítico e da tomada de decisões do que o ano que está para findar. Sim, todos conhecem o adágio que reza que tudo que está ruim, pode piorar. Mas esperamos que Deus, sabidamente brasileiro, nos livre dessa penitência!

Os neurônios (as células operacionais do cérebro) encarregados de tomar decisões representam o que há de melhor para a autonomia do ser humano. São eles que avaliam as condições oferecidas por determinado problema e se lançam à busca de soluções. Eles possuem acesso aos bancos de memória, mesmo de eventos ou situações das quais não lembramos mais. Essa recuperação é confrontada com informações recentes obtidas pelo aprendizado formal (os anos de estudos) e informal (tecnologia digital, redes sociais). Além disso, a situação recebe um coeficiente emocional: há pressa para a solução? Traz risco ao indivíduo dependendo da solução encontrada?

Outro ingrediente dessa fórmula complexa é o uso que esses neurônios fazem de um mecanismo secreto chamado de “sugestão intuitiva”. Quando você se prepara para fazer um investimento que passa por certo risco, a tomada de decisão suspende temporariamente as informações da memória e dos ensinamentos técnicos para consultar o estômago. Não o órgão em si, mas as redes neurais escondidas nas paredes do aparelho digestivo e do coração-pulmões. Esse sistema interno de consulta foi desbravado através de anos em pesquisas prodigiosas conduzidas pela equipe do neurocientista português-americano Antonio Damasio em duas universidades norteamericanas. 

Basicamente, os experimentos realizados demonstram que pessoas que apresentam dano aos neurônios que leem dados provenientes das redes neurais do estômago e do coração – como, por exemplo, em um AVC de poucas proporções na parte inferior do cérebro – não apresentam nenhum problema em relação aos movimentos dos membros, da fala, da memória ou da inteligência. São pessoas normais; contudo, são acometidas de uma paralisia diante de situações que exigem uma simples decisão, como agendar uma consulta médica ou quando receber um cliente no escritório. São pessoas que funcionam globalmente da mesma forma que as outras, mas não lhes é possível decidir sobre questões da sua vida porque os andamentos que regulam o organismo não podem mais ser acompanhados no subconsciente.

Esse sistema integrador funciona como um algoritmo, medindo o peso relativo de cada influência e, depois, influenciando a escolha nesta ou naquela direção. O algoritmo precisa de determinadas condições para funcionar. Alimentos saudáveis, movimentação dos músculos, ausência de influenciadores tóxicos como o tabaco ou drogas e conflitos emocionais resolvidos são algumas. Mas há outra fonte capaz de desorganizá-lo: o peso de sentimentos sociais devastadores como a vergonha coletiva e a percepção do descaso com que líderes a quem delegamos organizar o meio em que vivemos nos tratam.

Aquilo que começou como um rastilho de pólvora tornou-se, em 2017, um imenso lamaçal de corrupção, desfaçatez e total falta de consideração. No começo tomamos um susto; depois veio a estupefação; e ainda depois, uma sorrateira, mas infecciosa vergonha íntima para  declarar que pertencemos à República Federativa do Brasil. O cérebro dos brasileiros – para dentro do qual esse sentimento de vergonha se esparrama – não escapa desse desastre. Um verdadeiro efeito Mariana despejou toneladas de lodo tóxico que emperrou nosso algoritmo de decisões.

A nação está paralisada. Não saímos mais às ruas. Não que elas pareçam indignas de sermos vistos lá; mas o gatilho que aciona a decisão travou. Nos recolhemos. Estamos avariados. Há somente uma tênue luz no outro lado do túnel: crer que não há sequela definitiva. Algo poderá e deverá acontecer de 2018 em diante. Sim, é certo que Deus é brasileiro, mas ele conta pelo menos com nossos algoritmos cerebrais funcionando.





Dr. Martin Portner - Médico Neurologista , Mestre em Neurociência pela Universidade de Oxford e especialista em Mindfulness. Há mais de 30 anos divide suas habilidades entre atendimentos clínicos e palestras, treinamentos e workshops sobre sabedoria, criatividade e mindfulness. www.martinportner.com.br



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