Ao
imitar a natureza, com suas sutilezas de noite e dia, céu e terra, mal e bem, o
homem atual incrementou o processo rebaixando-o a pequenos tons: é Ocidente e
Oriente. Android e iOS. Coxinha e Petralha. Democrata e Republicano. Pepsi e
Coca-Cola. China e EUA. O mundo está dividido em duas partes, perigosamente
desiguais. Neste mundo binário, se você estiver de um lado, é automaticamente
alçado a inimigo do outro, ainda que este outro seja sua mãe que o
aleitou; ou a vovó querida que o acalentou. Daí aos monumentos de
intolerância erguidos no cotidiano das grandes cidades mundo a fora é um
simples estalar de impaciência.
Por
prepotência, projetamos o mundo para funcionar de forma análoga à natureza, com
o detalhe de que a natureza não computa emoções, aspecto em que o ser humano
está repleto até à ignorância. Lidar com essa onda de sim ou não tem sido um
desafio considerável nos últimos tempos. Antes, podíamos até com certa
tranquilidade informar a um interlocutor qualquer qual era o time do coração
sem esperar receber como retorno uma pedrada no intestino, ou uma navalhada na
retina. Hoje, é aconselhável pedir a ficha corrida da pessoa, para evitar
demandas judiciais.
O
sentimento de que somos obrigados a pertencer a algum lado, majoritariamente
nos atrai para uma cilada que só percebemos depois de estarmos nela enredados.
É terminantemente proibido ficar do lado de fora. Se quiser atrair o ódio de
alguém é só indicar neutralidade e assim opera-se aquele milagre fantástico que
é unir dois inimigos, já que não há nada no universo mais eficaz para unir duas
pessoas, do que um ódio em comum. Estamos proibidos e, pior, condenados à não
neutralidade. Foi-se o tempo em que havia um certo charme suíço em se dizer não
estou nem lá nem cá. Hoje, isso ofende pessoas aclimatadas à nova era da
opinião em que não basta tê-la, é preciso afirmá-la, e se possível morrer por
ela, para dar mais brilho à futilidade.
Toda
essa insana necessidade de polarização esmaga o pouco de humano que ainda
sobrevive nos seres humanos movidos a redes sociais, a curtidas em quantidades
industriais e a imagens cada vez mais falsificadas com recursos de trambiques
digitais e doses cavalares de narcisismo. O que será desse novíssimo ser se lhe
for tirado o wi-fi? Como reagirá se alguma lei marcial extinguir para sempre o
.com?
Esse
novo animal social, que só reconhece o seu igual e renega seu diferente não
como um ponto de estímulo natural, com o desejo de querer superá-lo por alguma
qualidade invejada; não!, esse diferente precisa ser exterminado para que o
outro possa avolumar sua razão suprema e divina sem nenhuma oposição, porque a
opinião dele e só a dele é que contém o germe redentor da certeza e a semente
de todas benesses prometidas pelas religiões e racionadas pela ciência.
No
habitat do Homem Igual não cabe reflexão, ele age movido por uma força
irrefreável que o cega de forma absolutamente dócil a ponto de fazê-lo crer ser
proprietário inconteste de todas as belezas do mundo; do real, aquele
encontrado na internet, e do irreal, aquele mundo bem mequetrefe em que as
pessoas iam à feira comprar bananas.
Foi
da contraposição de ideias que nasceu a filosofia de Sócrates que, de alguma
forma, moldou nosso mundo total. Se o filósofo houvesse nascido na Era do Homem Igual, teria
sido aniquilado antes que proferisse o primeiro enunciado.
Os gregos de então,
excessivamente mais tolerantes do que nós, o toleraram até a velhice. Imagine a
loucura dele a exortar a necessidade de ouvir a todos e deixar a Razão ou pelo
menos a temperança definir os destinos dos pensamentos?; seria hoje impensável.
Se o pensado teria como recipiente a latrina ou certa imortalidade séculos
adiante, não caberia ao pensador decidir.
Mas ao íntimo sentimento de que é das
diferenças que vicejam as mais belas formas de tudo o que compõe o que nos
cerca. Ainda que estejamos cercados por donos de certezas absolutas é sempre de
bom-tom desconfiar em permanência, ainda e sobretudo daqueles que desconfiam de
tudo.
Alex Bezerra de Menezes -
escritor, autor dos livros Depois do Fim (Editora Simonsen) e Incandescências e
advogado.
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